quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Ressaca eleitoral: a “solução” dos descontentes



A vitória da candidata a presidente Dilma no último domingo (26) fez surgir nas redes sociais uma corrente de preconceito de muitos eleitores das regiões Sudeste e Sul do Brasil. Para estes incautos, basta viver no Norte e Nordeste do Brasil para ser pobre, burro, ignorante, analfabeto, preguiçoso e outras coisas que nem convém aqui registrar. Junto a isso veio de carona o discurso reacionário de que é preciso separar o Sul e Sudeste das demais regiões porque sustentar vagabundo não dá mais!

Confesso que também já tive ímpetos revolucionários de separar nós que aqui vivemos na parte meridional do mapa dos demais. Isso acontecia quando via a onipresença do grupo É o Tchan e semelhantes na televisão nas tardes de domingo. Mesmo hoje quando ouço a Cláudia Leitte ou o Calypso tocar no rádio essa vontade de querer fatiar o país brota no meu peito. Mas aí eu lembro que nós, aqui da parte de baixo, também de tempos em tempos “brindamos” o país com artistas do naipe de Luan Santana, Gusttavo Lima e Michel Teló. Assim eu me acalmo e reconheço que há coisas boas e ruins espalhadas em todas as regiões do país, por isso separar não é o caminho.

Brincadeiras à parte, fato é que história do nosso país revela que o desejo de fragmentação do Brasil em países menores já existia antes mesmo da independência, em 1822. Ainda no final do século XVIII, a Inconfidência Mineira pode ser um exemplo de movimento semelhante. Depois, quando o Brasil-Colônia se aproximava cada vez mais do momento de exigir a sua independência de Portugal, a questão da unidade territorial já era uma grande preocupação.

Dez anos antes do grito de “independência ou morte” dado por D. Pedro I às margens do Rio Ipiranga, José Bonifácio, que entrou para a história como o patriarca da independência, já previa que “amalgamação muito difícil será a liga de tanto metal heterogêneo, (...) em um corpo sólido e político” – uma alusão às gritantes diferenças econômicas, culturais e políticas que já havia entre as gigantescas regiões do Brasil.

Verdade é que muitas vezes a região Nordeste tentou se separar do Brasil, porém a Coroa estabelecida no Rio de Janeiro impediu.


Quase às vésperas da nossa independência, em 1817 eclodiu uma revolta em Recife. A população estava inconformada com a pequena autonomia política da província e a quantidade de impostos que precisava enviar para a corte do Rio de Janeiro e, em contrapartida, receber tão poucos investimentos. A insurreição foi violentamente reprimida pelo rei Dom João VI.

Depois, separado Brasil de Portugal, Dom Pedro I teve que agir energicamente para manter unido o novo país, já que a princípio apenas as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais apoiaram e aderiram ao novo Império. Bahia, Maranhão, Piauí, Pará e Amazonas se insurgiram contra a proclamação da Independência, pois a população que lá vivia julgava muito mais interessante o Brasil continuar sendo colônia de Portugal. Em 1824, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte uniram-se na Confederação do Equador, que buscava também a separação daquela região do recém-criado país.

Esses movimentos foram sempre brutalmente contidos por D. Pedro I, o que não aconteceu com o Uruguai, que conseguiu sua independência do Brasil em 1828. Tal fato inspirou ainda os insurgentes da Revolução Farroupilha (1835-1845), que por uma década lutaram pela criação da República Rio-Grandense. Além dessas, outras revoltas se seguiram ao longo do século XIX, todas derrotadas pelo governo.

Fato é que o pau comeu solto e muito sangue foi derramado para que o Brasil se construísse da maneira que é hoje. E tanta determinação do governo em manter as províncias unidas não foi à toa. Todas as partes do Brasil tiveram, têm e terão sempre importância no desenvolvimento do país. Tolice é pensar que o Sul e Sudeste seriam melhores sem as demais regiões.

O antropólogo Gilberto Freyre, no famoso livro “Casa-Grande & Senzala” (1933), já defendia que a riqueza do país está na miscigenação das raças e da cultura do branco, do negro e do índio. Nossa grandeza territorial é outra virtude que não se pode negar. Compreensível que na ressaca eleitoral existam desabafos motivados mais pela emoção do que pela razão. Mas extravazada a decepção de não ter seu candidato eleito, é bom lembrar que é na soma e não na divisão que somos um país forte.

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