sábado, 22 de novembro de 2014

Ramones e Sepultura: 20 anos de um show de rock pauleira na Pedreira


Dia 12 de novembro, completaram-se 20 anos da realização de um dos shows de rock mais lendários que já ocorreram no Paraná. A passagem da turnê Acid Chaos, que trouxe a Curitiba as bandas Ramones e Sepultura. Nem o temporal que caiu durante boa parte da noite estragou a festa das mais de 30 mil pessoas que foram até a Pedreira Paulo Leminski assistir a estes dois gigantes da música.

Dois motivos fazem destas as melhores e mais importantes apresentações de rock que já vi na vida e certamente nada do que eu possa ver ainda pela frente vai se igualar:

1º: foi a primeira vez que fui a um grande show, onde encontrei as pessoas mais loucas que eu havia visto até então.

2º: foi a primeira e última vez em que assisti os Ramones ao vivo, que na época já havia se tornado a minha banda preferida e que a considero da mesma maneira ainda hoje.


Pra quem nunca tinha visto tanta gente reunida, tudo era novidade. Tudo era “ANIMAAAAL”! A polícia descendo o cacete no povo na entrada da Pedreira; as montanhas de garrafas de pinga-uísque-vodka apreendidas pelos seguranças na portaria; as garrafinhas de água cheias de pedra que os sem-noção atiravam pro alto e que, quando caíam na cabeça de alguém, faziam um estrago danado; muita fumaça no ar de cigarros suspeitos que passavam de mão em mão no meio da multidão...

“Comportamento nota zero, disposição a mil”, descreveu o repórter da Rede Globo no vídeo aí de cima.

Com um bando de doido desses, meus amigos e eu ficamos assistindo tudo meio de longe, com medo de levar porrada da galera. Foi assim que vimos o Raimundos – o grande sucesso nacional da época quando havia acabado de lançar o seu primeiro disco – abrir a noitada.

-----
P.S: O Viper tocou antes dos Raimundos, mas eu não vi. Mas como o Viper sempre foi ruim então não conta...
-----

Mas quis o destino que a gente assistisse o Sepultura e o Ramones na frente do palco. Na manhã do show, dois amigos e eu fomos dar uma caminhada por Curitiba e quando passamos em frente à rodoviária, um cabeludo de jaqueta de couro com uns dois metros de altura recém-chegado de São Paulo nos perguntou onde estavam vendendo ingressos para o show. Lembre-se que na época não havia venda de ingressos pela internet e nem área VIP, então era possível comprar ingressos em cima da hora.

Como a gente estava indo para o Shopping Müller, acompanhamos o cabeludo de jaqueta de couro de dois metros de altura até lá para ele poder comprar sua entrada. Como o cara disse que já tinha visto o Ramones outras vezes em São Paulo, no caminho enchemos o cara de perguntas: Como é o show do Ramones? O público agita muito? Sai muita porrada entre punks e metaleiros? Esse tipo de pergunta besta de moleque do interior que nunca tinha visto muita coisa na vida.

Mas uma pergunta foi um sinal da nossa sorte para o show que aconteceria à noite:

“Você costuma assistir ao show na frente do palco ou nos fundos?”.

“Com esse meu tamanho”, ele respondeu, “eu assisto o show de onde eu quiser!”.

Se o cara estava falando, quem de nós iria discordar...

Comprado o ingresso do cabeludo de jaqueta de couro com dois metros de altura, cada um foi pro seu lado e aquela conversa mole de sempre na despedida, tipo: “Falou, qualquer coisa a gente se encontra por lá”.


Então: terminado o show dos Raimundos, um outro amigo e eu, que já havíamos nos perdidos dos demais, estávamos quase lá no fundão da Pedreira esperando o Sepultura começar. Para dois moleques como a gente, não havia a menor chance de irmos sozinhos até a frente do palco assistir aos shows e sair vivo de lá.

Quando já estávamos conformados com a situação, quem passa do lado da gente? Claro que o cara cabeludo de jaqueta de couro com dois metros de altura! “E aí piazada, vão ficar vendo o show daí ou querem ir lá na frente? Tô indo pra lá, vem atrás!”.


Juro pra vocês! No caminho até a frente do palco, o cara parecia Moisés abrindo o Mar Vermelho para a travessia dos judeus! Com cara de poucos amigos e seus dois metros de altura, ele ia avançando conosco no meio da multidão até chegarmos lá na frente. “Aqui tá bom pra vocês? Qualquer coisa estou por aqui!”. Mas é claro que estava tudo ótimo!

O que aconteceu dali pra frente foi um pandemônio total. Corpos voavam sobre nossas cabeças, empurra-empurra, chutes nas canelas de todo mundo, enquanto uma tempestade inundava a Pedreira e o Sepultura moía ouvidos, tendo como carro chave as canções de seu recém-lançado disco “Chaos A.D.”. Só vendo mesmo para entender o que foi aquilo.

Depois vieram os Ramones:

One two three four!”, “Gabba Gabba Hey”, “Hey Ho Let’s Go!” e a noite entrou pra história! Foi lindo de ver...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Demonstração vulgar de força: biografia revela bastidores do Pantera

 

Lá nos meus tempos de adolescente no início dos anos 90, para a minha turma de amigos música boa era rock e, quase sempre, quanto mais pesado e rápido fosse tocado, melhor era. E naquela época, para nós nada era mais rápido e pesado do que Sepultura, Ministry e Pantera.  Como dizíamos então, essas bandas eram “ANIMAAAAAL”!!!

Especificamente em 1994, para nós e o mundo todo, nada era mais “ANIMAAAAAL” do que o Pantera, que estava no ponto mais alto da carreira quando o seu disco “Far Beyond Driven” foi lançado e imediatamente chegou ao primeiro lugar da parada da Billboard. Talvez, o disco de rock mais pesado a ter atingido aquela posição em toda a história.

Dez anos depois, exatamente em 08 de dezembro de 2004, o Pantera chegava traumaticamente ao fim. Naquela noite, o guitarrista Dimebag Darrel, durante o show de sua outra banda Damageplan, na cidade de Columbus (Ohio/EUA) foi assassinado a tiros no palco por um fã maluco. Para os fãs, até então era questão de tempo para que o grupo voltasse às atividades após as brigas internas que forçaram uma pausa na banda em 2002.  Mas, com a morte do guitarrista, foi passada a régua e fechada a conta do Pantera.

Foi-se a banda, mas ficou a história, a qual é contada no livro “Verdade oficial: nos bastidores do Pantera”, escrito pelo baixista Rex Brown e publicado originalmente em 2013. Agora, recém-lançado no país pela editora Edições Ideal, os fãs brasileiros têm a chance de conhecer melhor como era o tumultuado universo daquela que foi uma das maiores bandas de metal de todos os tempos. Coescrito pelo jornalista inglês Mark Eglinton, para ajudar a revelar os tais bastidores do Pantera, o livro ainda traz depoimentos de ex-namoradas, esposas, amigos, ex-empresários e muito mais gente que esteve no meio daquela zorra toda.

Para começo de conversa, a história do Pantera é tão absurda quanto o trágico fim. A banda foi formada nos Estados Unidos, na cidade texana de Arlington, pelos irmãos Dimebag Darrell (guitarra) e Vinnie Paul (bateria), e por Rex Brown (baixista) e Terry Glaze (vocalista). Com essa formação a banda lançou três discos que não deram em nada. E também não havia como ser diferente porque a banda era ruim em todos os sentidos.

A qualidade das gravações, assim como das músicas, era terrível. O vocalista era uma piada. As tentativas de copiar Van Halen e outras bandas do gênero eram vergonhosas. Some a isso o visual típico dos grupos de metal dos anos 80 com suas calças de lycra e os cabelos com permanente de três metros de altura para dizer que, com certeza, o Pantera não iria para outro lugar a não ser o encantado mundo do fracasso.


A reviravolta começou a acontecer quando a banda trocou o vocalista original por Phil Anselmo. Depois de gravar mais um disco-fiasco com a nova formação, a transformação veio em 1990 com o lançamento de “Cowboys From Hell”. Antes uma banda farofenta, o Pantera renasceu transformado em uma máquina de moer ouvidos que se tornou cada vez mais pesada, famosa e milionária. Depois desse, vieram “Vulgar Display of Power” (1992), “Far Beyond Driven” (1994), “The Great Southern Trendkill” (1996), o ao vivo "Official Live: 101 Proof" (1997) e o derradeiro “Reiventing the Steel” (2000).

Contando assim até parece que tudo foi lindo na vida do Pantera. Só que não. Como é típico nas histórias de banda de rock, junto ao sucesso iniciou a decadência dos músicos. Farras com garotas, bebedeiras antológicas, montanhas de drogas, brigas, separação e, finalmente, o assassinato do guitarrista por um fã.

Em sua biografia sobre o Pantera, Rex Brown traz a sua versão para a trajetória turbulenta da banda. E dá para dizer que tem tudo o que a gente procura ao ler um livro sobre grupos de rock: baixaria, putaria, escândalos e os ex-colegas falando um mal do outro. E Rex Brown não esconde os vícios, problemas e burradas de ninguém, inclusive as dele.

Mas também tem a parte séria da história. O baixista argumenta que a grande sacada do Pantera foi perceber que o rock estava se transformando no final dos anos 80: “A música pesada estava mudando em 1989. Parecia que havia esse tipo diferente de som surgindo no horizonte e que em breve seria rotulado como alternativo: o primeiro disco do Jane’s Addiction, Faith no More, Voivod e Soundgarden – todas essas bandas lançaram discos poderosos. Então, absorvemos essas influências com o que o Metallica havia feito, e criamos o nosso próprio som”.


Com essa mudança de estilo, que incluiu o visual da banda (que por acaso passou a ser muito semelhante com a moda grunge dos grupos de Seattle no início dos anos 90), o Pantera tocava fácil nos toca-discos das mais diversas tribos do rock. Metaleiros, punks, alternativos... Todo mundo curtia numa boa os caras, talvez com exceção das garotas fãs do Bon Jovi.

Independente das fãs do Bon Jovi gostarem ou não, não demorou para os “quatro garotos burros do Texas” (na definição do próprio Rex Brown) caírem em longas turnês pelos Estados Unidos e Europa, com esticadas também para outras partes do mundo, inclusive ao Brasil. Realizaram ainda o sonho da adolescência de tocar com os ídolos do Black Sabbath, Judas Priest, Kiss e tantos outros.

Porém, os sinais de decadência do Pantera surgiram e tornaram-se públicos com a overdose de heroína sofrida por Phil Anselmo em 1996. Daí pra diante, embora mantivesse a quantidade e a qualidade dos shows, as fissuras na estrutura do grupo cresceram tanto até que a casa toda veio abaixo. “Era tudo uma babaquice do caralho”, decreta Rex Brown, explicando porque o Pantera suspendeu suas atividades em 2002. Divididos, na época Rex e Phil Anselmo estavam tocando juntos na nova banda Down e os irmãos Dimebag e Vinnie Paul haviam formado o Damageplan, sendo que em um show destas ocorreu a tragédia. Com o guitarrista morto, o Pantera morreu também.

Éimpressionante o quanto as biografias dos rock stars se parecem. Geralmente é o roteiro da infância pobre, o começo difícil da carreira e a conquista do sucesso. Depois disso, a queda no inferno de onde nem todos conseguem voltar. A história do Pantera, nesse sentido, é igual a de tantas outras bandas. Rex Brown, que também esteve perto de abraçar o capeta algumas vezes, foi um desses que conseguiu voltar. E se você é do rock, tenho certeza que vai gostar da história que ele tem para te contar.


Ressaca eleitoral: a “solução” dos descontentes



A vitória da candidata a presidente Dilma no último domingo (26) fez surgir nas redes sociais uma corrente de preconceito de muitos eleitores das regiões Sudeste e Sul do Brasil. Para estes incautos, basta viver no Norte e Nordeste do Brasil para ser pobre, burro, ignorante, analfabeto, preguiçoso e outras coisas que nem convém aqui registrar. Junto a isso veio de carona o discurso reacionário de que é preciso separar o Sul e Sudeste das demais regiões porque sustentar vagabundo não dá mais!

Confesso que também já tive ímpetos revolucionários de separar nós que aqui vivemos na parte meridional do mapa dos demais. Isso acontecia quando via a onipresença do grupo É o Tchan e semelhantes na televisão nas tardes de domingo. Mesmo hoje quando ouço a Cláudia Leitte ou o Calypso tocar no rádio essa vontade de querer fatiar o país brota no meu peito. Mas aí eu lembro que nós, aqui da parte de baixo, também de tempos em tempos “brindamos” o país com artistas do naipe de Luan Santana, Gusttavo Lima e Michel Teló. Assim eu me acalmo e reconheço que há coisas boas e ruins espalhadas em todas as regiões do país, por isso separar não é o caminho.

Brincadeiras à parte, fato é que história do nosso país revela que o desejo de fragmentação do Brasil em países menores já existia antes mesmo da independência, em 1822. Ainda no final do século XVIII, a Inconfidência Mineira pode ser um exemplo de movimento semelhante. Depois, quando o Brasil-Colônia se aproximava cada vez mais do momento de exigir a sua independência de Portugal, a questão da unidade territorial já era uma grande preocupação.

Dez anos antes do grito de “independência ou morte” dado por D. Pedro I às margens do Rio Ipiranga, José Bonifácio, que entrou para a história como o patriarca da independência, já previa que “amalgamação muito difícil será a liga de tanto metal heterogêneo, (...) em um corpo sólido e político” – uma alusão às gritantes diferenças econômicas, culturais e políticas que já havia entre as gigantescas regiões do Brasil.

Verdade é que muitas vezes a região Nordeste tentou se separar do Brasil, porém a Coroa estabelecida no Rio de Janeiro impediu.


Quase às vésperas da nossa independência, em 1817 eclodiu uma revolta em Recife. A população estava inconformada com a pequena autonomia política da província e a quantidade de impostos que precisava enviar para a corte do Rio de Janeiro e, em contrapartida, receber tão poucos investimentos. A insurreição foi violentamente reprimida pelo rei Dom João VI.

Depois, separado Brasil de Portugal, Dom Pedro I teve que agir energicamente para manter unido o novo país, já que a princípio apenas as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais apoiaram e aderiram ao novo Império. Bahia, Maranhão, Piauí, Pará e Amazonas se insurgiram contra a proclamação da Independência, pois a população que lá vivia julgava muito mais interessante o Brasil continuar sendo colônia de Portugal. Em 1824, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte uniram-se na Confederação do Equador, que buscava também a separação daquela região do recém-criado país.

Esses movimentos foram sempre brutalmente contidos por D. Pedro I, o que não aconteceu com o Uruguai, que conseguiu sua independência do Brasil em 1828. Tal fato inspirou ainda os insurgentes da Revolução Farroupilha (1835-1845), que por uma década lutaram pela criação da República Rio-Grandense. Além dessas, outras revoltas se seguiram ao longo do século XIX, todas derrotadas pelo governo.

Fato é que o pau comeu solto e muito sangue foi derramado para que o Brasil se construísse da maneira que é hoje. E tanta determinação do governo em manter as províncias unidas não foi à toa. Todas as partes do Brasil tiveram, têm e terão sempre importância no desenvolvimento do país. Tolice é pensar que o Sul e Sudeste seriam melhores sem as demais regiões.

O antropólogo Gilberto Freyre, no famoso livro “Casa-Grande & Senzala” (1933), já defendia que a riqueza do país está na miscigenação das raças e da cultura do branco, do negro e do índio. Nossa grandeza territorial é outra virtude que não se pode negar. Compreensível que na ressaca eleitoral existam desabafos motivados mais pela emoção do que pela razão. Mas extravazada a decepção de não ter seu candidato eleito, é bom lembrar que é na soma e não na divisão que somos um país forte.

Cachorro Grande finge ser moderna em “Costa do Marfim”



Que estas são épocas de vacas magras para o rock nacional ninguém duvida. Em um mercado dominado por duplas sertanejas, funkers e outros gêneros musicais que eu nem saberia nominar, o roqueiro é ser estranho, não mais bem-vindo nas ondas de rádio e menos ainda na televisão. Há quem vai dizer que “surgiram umas bandas legais no The Voice”, o que não vem ao caso, porque quem tenta entrar no mercado musical se sujeitando à aprovação da Claudia Leitte, Daniel, Carlinhos Brown e Lulu Santos é desde o princípio um caso perdido e merece o fracasso.

Pois bem, neste tal segmento que não se renova, se não fosse por artistas já medalhões do gênero, 2014 seria um ano perdido para o rock brasileiro. Skank, Pitty, Titãs e Raimundos lançaram material inédito e deram um gás a mais, mesmo sem terem tido o mesmo sucesso de outros tempos. E agora junta-se a essa turma de heróis do rock nacional a Cachorro Grande, também já macaco velho na cena musical brasileira, que acaba de lançar “Costa do Marfim”, o seu sétimo disco.

Com praticamente 15 anos de estrada, o quinteto gaúcho radicado em São Paulo consagrou-se com seu rock retrô inspirado em nomes clássicos como Rolling Stones, Beatles, The Who e afins. Junto às boas influências, contou muito para o reconhecimento da banda as apresentações ao vivo, principalmente no início da carreia, quando a ideia era quebrar tudo e botar a casa abaixo.

Passados os anos, os caras amadureceram, emplacaram música em novela, adotaram uma atitude mais Mick Jagger e menos Keith Richards no palco e tudo bem: a carreira seguiu. Contudo, quando chegou a hora de gravar o disco “Costa do Marfim” a Cachorro Grande velha de guerra resolveu se reinventar. Aparou as unhas, lustrou o pelo, pôs fitinha no pescoço e saiu abanando o rabo para outras influências que não costumavam estar presentes nos seus trabalhos anteriores. 


Com a ajuda do produtor Edu K (nome conhecido do underground brasileiro devido à sua antiga banda DeFalla), a Cachorro Grande deu uma revisitada nos sons setentistas de gente como os alemães robóticos do Kraftwerk, uma passada na cena inglesa oitentista de Manchester de nomes como Stone Roses e Happy Mondays, cresceu o ouvido pra cima do Primal Scream e também não dispensou uma olhada atenta ao rock dos anos 2000, com reverências ao pessoal do Kasabian e semelhantes. O bastante para garantir significativas mudanças artísticas na banda? Não.

Ao bem da verdade, fato é que tirando uns arranjos inéditos para o som do grupo, umas firulas eletrônicas aqui e ali, a Cachorro Grande que ouvimos em “Costa do Marfim” se diferencia muito pouco do que ela fez em trabalhos anteriores. O som típico da banda está ali, só que lambuzado com referências que sugerem uma música mais moderna. Na essência, é tudo como já ouvimos antes.

A exceção fica por conta de “Nós vamos fazer você se ligar”, segunda faixa do disco. Uma composição muito além do trivial para os padrões da Cachorro Grande. São 11 minutos da mais pura viagem, barulhinhos esquisitos, sendo a tônica os sons graves que passam pelo ouvido para pipocarem dentro da cabeça fazendo realmente a gente se ligar. A música é o grande trunfo do disco “Costa do Marfim” e ao vivo deve ficar uma maravilha ainda maior.

Mas é muito pouco para um disco sobre o qual se criou tanta expectativa. Está longe de alcançar, por exemplo, “Pista Livre”, o melhor disco da carreira. Em favor da banda, repito, está “Nós vamos fazer você se ligar”, a chave que pode ter aberto as portas para novos sons da Cachorro Grande daqui para diante, cada vez mais malucos. Assim esperamos

---
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM BETO BRUNO:
“A nossa obsessão é pela música e não pelo sucesso”


Durante a recente passagem da Cachorro Grande por Santa Helena, onde fez show no dia 27 de setembro, estive por lá e conversei com o vocalista Beto Bruno sobre o disco “Costa do Marfim”. Como a banda definiu, aquele seria o último show da antiga fase da banda. A nova foi aberta no dia 09 de outubro, em Porto Alegre, no show de estreia do Costa do Marfim.

Vocês estarão com um novo show, onde pretendem apresentar as músicas novas de uma forma diferente para a Cachorro Grande, com sons pré-gravados, imagens no telão acompanhando a música. Como está a preparação para isso tudo?

BETO BRUNO: Pra levar pro palco é um pouco mais complicado. Então vamos separar no show as músicas do “Costa do Marfim” do resto do repertório antigo.  Nós vamos abrir com o novo na íntegra e depois segue o bailinho com as músicas mais importantes da carreira. A maior preocupação é conseguir tocar com as trilhas pré-gravadas, alguns overdubs de teclado e de efeitos também e cada música vai ter uma projeção diferente. Neste disco a grande diferença é isso. Nos outros a gente entrava no estúdio pra gravar com todos os arranjos pré-definidos e nesse, nós não ensaiamos. Foi até uma exigência do Edu K, que produziu e preferiu que a gente criasse os arranjos durante a gravação pra poder pirar a cabeça mesmo e isso resultou nessas músicas enormes e mais chapadas. E acho que foi nosso melhor resultado em estúdio em toda a carreira.

Vocês têm falado muito sobre a importância do Edu K para a criação deste novo disco. Qual foi o papel dele?
BETO BRUNO: Há muito tempo a gente queria... Não mudar o som, porque ainda é Cachorro Grande, mas queria acrescentar coisas mais contemporâneas que a gente gosta, mas só não tínhamos propriedade pra isso. Acho que agora foi a hora certa com a pessoa certa que é o Edu K, que sabe o que a gente quer. Quando ele recebeu as demos, ele já sabia o que poderia fazer com aquilo. Encorajar também foi uma das virtudes dele. A gente sempre produziu os discos anteriores com outros produtores e nunca deixamos alguém meter tanto a mão quanto com o Edu K, que simplesmente estava dentro da banda. Perfeito, genial ele é.

Por que “Costa do Marfim”?
BETO BRUNO: Pergunta pro comédia do Rodolfo (Kruger, baixista). Rodolfo, responde essa aqui!

RODOLFO KRUGER: Ficamos dois meses lá na Costa do Marfim com o Edu K. Todas as bandas vão gravar em Abbey Road, em Nova York, aquela coisa clichê do rock. A gente resolveu chutar o balde.

O último disco até então era o “Baixo Augusta” (de 2011), uma espécie de homenagem ao local onde a banda vive em São Paulo, enfim, um disco com um ar caseiro com os sons típicos da Cachorro Grande. Agora, com “Costa do Marfim”, com a ideia de tentar mudar o som, vocês saíram do conforto do lar e foram gravar o disco lá do outro lado do mundo.  Acho que a distância geográfica entre o Baixo Augusta e a Costa do Marfim meio que reflete ou define a distância artística que vocês buscaram criar entre estes dois discos.
BETO BRUNO: Esse novo disco é mais universal... Ele não é rock regional, é um disco mais aberto para referências do mundo inteiro... Então, também isso que tu falou. Muito bem sacado. Obrigado! Vou usar isso nas próximas entrevistas...

Essa decisão de buscar algo diferente, foi uma decisão motivada mais por questões comerciais ou artística mesmo?
BETO BRUNO: Foi uma motivação pelo lado criativo e não comercial. Até porque se fosse questão de mercado a gente não iria abrir o disco com uma música de 11 minutos. A nossa obsessão é pela música e não pelo sucesso.

Não é novidade que as coisas andam difíceis para a turma do rock nacional em termos de público e apoio das rádios. Parece que foi criado uma lacuna no estilo nos últimos anos. Como vocês fazem para sobreviver no mercado?
BETO BRUNO: A gente tenta fazer um show melhor que o outro, independente de onde estiver e para quantas pessoas estiverem assistindo pra poder sempre voltar. Também pensamos sempre em fazer, a cada dois anos, um disco melhor que o outro. O mercado é totalmente desfavorável pro rock and roll e pra nós, que dentre as bandas de rock não é das mais populares. Essa lacuna que você estava falando é porque a última geração do rock foi um pouco vergonhosa e meio que ridicularizou a classe roqueira. Eu fico feliz por este ano ter saído quatro discos interessantes antes do nosso, que é o da Nação Zumbi, da Pitty, do Skank e dos Titãs, e o nosso veio logo em seguida. São cinco discos de rock que vieram pra acabar com aquela geração perdida e pra ver se bota o rock de novo nos holofotes. Se não botar vamos continuar tentando fazer um show melhor que o outro e um disco melhor que outro pra sempre.


No rock nacional sempre houve diferença entre a aprovação da crítica e do público. Os Engenheiros do Havaii são um bom exemplo, sempre foram adorados pelo público e massacrados pela crítica. A crítica está babando no disco de vocês. Isso assusta vocês em relação à recepção dos fãs, do público?
Assusta um pouco porque eles (a crítrica) falam bem dos Autoramas, que tocam pra 200 pessoas, e falam mal do J Quest que toca para 4 mil pessoas todo fim de semana. Então dá um certo medo, sim.  Mas a gente tem que arriscar pra continuar crescendo musicalmente. E eu acredito que nosso público também cresceu junto com a nossa trajetória ao longo do tempo.  Pode assustar alguns mais caretas, mas quem tem a mente aberta vai entrar de cabeça nesse disco.

Tem fãs que até hoje esperam uma nova “Sinceramente”, mas não vão encontrar nesse disco.
Não. Mas, depois de tantos anos com a Cachorro Grande a coisa que eu mais me orgulho é desse novo disco. Dá vontade de sair com esse disco pendurado no pescoço por aí dizendo “fui eu que fiz”!

É meio normal o cara falar sempre que o novo disco é o melhor...
Nunca vi ninguém dar entrevista e falar “é, o outro disco é melhor...” (risos). Acho que os outros discos, por mais que tenham evoluído, parecem ser uma continuação do outro e esse vai por um caminho diferente, que a gente gosta mais.

Pode-se dizer que foi uma porta que se abriu para a Cachorro Grande fazer discos cada vez mais doidos? Até porque em “Costa do Marfim” o grupo avançou em algumas coisas, mas por outro lado ficou com um pé atrás, com coisas típicas da banda...
Concordo contigo plenamente. Eu nunca mais vou gravar um disco nos antigos moldes. Depois de ter experimentado isso no estúdio, vou querer andar nesse brinquedo muitas vezes.