domingo, 8 de junho de 2014

Titãs faz retrato secular do Brasil em “Nheengatu”


Muito feliz pelo Titãs ter se reencontrado. "Nheengatu", o novo trabalho da banda, é um disco excepcional em todo o seu conceito, passando pelo título, pela capa e, obviamente, pelas músicas.

Há muitos anos o grupo paulistano devia um disco à altura do nome que construiu durante a década de 80 e a metade dos anos 90. Naquele período lançou discos que se tornaram clássicos da música brasileira, como “Cabeça Dinossauro” (1986), “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” (1991) e “Titanomaquia” (1993), o pesadíssimo álbum produzido pelo norte-americano Jack Endino, o guru do grunge.

Da melhor safra do Titãs ainda pode ser incluído o álbum “Domingo”, de 1995. Dois anos depois o grupo lançou o seu maior sucesso e um dos CDs mais vendidos em todos os tempos no país: “Acústico MTV”. Mas tamanho sucesso fez mal ao Titãs, que de repente passou a sofrer de paumolecência roqueira aguda que resultou em discos de puro populacho, totalmente insignificantes. O único porém nesse buraco negro em que a banda se enfiou foi a bela música “Epitáfio”, seu último grande sucesso e lançada no já distante ano de 2001. De lá para cá o Titãs havia se tornado um nome irrelevante.

Além de ter perdido o rumo artístico, na última década a banda ainda teve que lidar com a morte do guitarrista Marcelo Fromer e a saída de Nando Reis. Vale lembrar que no início dos anos 90 Arnaldo Antunes já tinha deixado o grupo, que perdeu mais um integrante em 2010 quando o baterista Charles Gavin resolveu o dilema de se “era cedo ou tarde demais pra dizer adeus” e decidiu que era mesmo hora de dar tchau ao Titãs.

Com a formação clássica reduzida a Paulo Miklos, Branco Mello, Tony Belotto e Sérgio Britto, a banda buscou inspiração nas manifestações que tomam conta do país há um ano para escrever “Nheengatu”. É um disco brutal tanto musical como liricamente. Ele trata de política, corrupção, pedofilia, igrejas picaretas, protestos de rua, violência doméstica, drogas, alienação.

A princípio é possível imaginar que daqui um tempo “Nheengatu” vai parecer um disco datado. Mas, pensando bem, muitos temas abordados nas canções são problemas seculares deste país, do tempo em que "Essa merda de navio entrou por um desvio", como eles cantam na música "Chegada ao Brasil". São desafios e contradições difíceis de serem superados no curto prazo.

Nesse sentido, "Nheengatu", o álbum, me soa um retrato do passado, do presente e também do futuro do nosso país. Um trabalho coerente que resgata o nome do Titãs da lama.

(*) Nheengatu: palavra indígena que define a Língua Geral Tupi, que foi sistematizada pelos jesuítas, falada até o século XIX por tribos que habitavam o litoral do Brasil, e ainda hoje falada por tribos da Amazônia.

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