quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Histórias Íntimas: 500 anos de sexo


Em seu mais novo livro - “Histórias Íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil” (Editora Planeta, 2011, 254 p.) -, a renomada historiadora Mary Del Priore se dispõe a tratar de um assunto que interessa a todos: sexo. Aqui, os leitores são convidados e espiar pelo buraco da fechadura e conhecer como o sexo vem sendo pensado, reprimido, desvencilhado de tabus e praticado ao longo dos cinco séculos de história do nosso país. Desde as primeiras relações entre indígenas, escravos trazidos da África e portugueses colonizadores, passando pelas medidas higienistas associadas ao sexo no século XIX até questões atuais que abundam na mídia no que diz respeito ao sexo e à sexualidade, este livro se dispõe a mostrar que a teoria e a prática do que acontece entre quatro paredes (ou fora delas), vêm mudando no tempo e no espaço.

Quem diria que na época do Brasil colônia um belo par de seios fosse uma das coisas menos eróticas do corpo de uma mulher. Ou que a gordura fosse símbolo de beleza. Ou que um púbis extremamente cabeludo (enquanto que hoje quanto menos pelos, melhor) era o que poderia existir de mais sensual. Partes íntimas limpas e bem cheirosas? Isso era coisa pra broxar qualquer um no século XVII, como esclarece um poema do poeta baiano Gregório de Matos, que em meio a obscenidades aqui impublicáveis escreveu que “lavar a carne é desgraça” porque “perde a carne o sal, a graça”.

Vencidas as preliminares do período colonial, “Histórias Íntimas” desnuda os anos de 1800, um século que a historiadora definiu como hipócrita. Hipócrita porque, ao mesmo tempo em que a sociedade pregava a castidade e depois o recato no casamento, o adultério era prática comum especialmente, é claro, pelas escapadas masculinas até o bordel da esquina. Que o diga D. Pedro I, o homem que bradou “Independência ou Morte” e tornou-se nosso primeiro imperador. Além do grito da independência, o Foguinho (como era chamado pela sua amante Domitila, a Marquesa de Santos) ficou famoso também pelos seus casos fora do casamento. Para D. Pedro e demais homens do Império, manter relações em casa, com a esposa, só uma rapidinha e olha lá. E isso desde que seguindo determinadas posições permitidas pela igreja. Sexo gostoso não era coisa que se fazia com a mãe dos seus filhos. Para isso existiam as prostitutas. Esposa sentindo (ou mostrando) prazer em uma relação, nem pensar! Isso não era coisa de mulher direita.

Mas, eis que com a chegada do século XX as coisas começam a mudar. O cinema, as revistas, a indústria da moda, a propaganda, etc. , começam a transformar cada vez mais rapidamente os conceitos e a prática do sexo. Exemplo disso, um escândalo: no Rio de Janeiro começa a circular a primeira revista erótica, a “O Rio Nu”, inspirada em publicações francesas e que trazia ilustrações e histórias cheias de sacanagens.

O incentivo cada vez mais crescente às atividades físicas no início dos anos 1900 também vai alterar a percepção do que é um corpo bonito e sexualmente atrativo. Sai de cena a gordura para ganharem destaque cada vez maior os corpos sarados para serem exibidos em roupas mais ousadas. Se antes o corpo devia se escondido. Aos poucos as roupas começam a encurtar. Nas praias e piscinas de clubes, é o caso dos biquínis, que foram ficando cada mais pequenos que até cabiam na palma da mão. O conservador Nelson Rodrigues não deixou barato. Em “Histórias Íntimas”, Priore reproduz trecho de entrevista do dramaturgo em 1969 para a revista Veja. Nela, Rodrigues revela toda a sua perplexidade ao ver tantos corpos femininos quase nus sem com isso despertar maiores interesses masculinos. “A mulher mais invisível do mundo é a mulher de biquíni”, disparou. Para Priore, Rodrigues “não entendia o que via. Não se tratava de moda, mas da evolução da moral moderna”.

Moral moderna que avançou numa velocidade jamais vista depois dos anos de 1950 com a revolução sexual impulsionada pela invenção da pílula anticoncepcional. Depois da pílula, caíam por terra tabus como virgindade e sexo antes do casamento. Com seus ecos vindos da Europa e dos Estados Unidos, o feminismo e a contracultura contribuíam de vez para espalhar a revolução sexual. Os dogmas do sexo como pecado começaram a ser abertamente questionados e abandonados pela sociedade nos anos 1960 e 1970. Na contramão desse liberalismo, chegou a Aids nos anos 1980. Gerou (ainda gera!) preocupação, mas a doença não foi capaz de impedir que as pessoas hoje vivam o sexo em sua plenitude.

“Histórias Íntimas” mostra claramente que o sexo chega ao século XXI mais sem-vergonha e apelativo do que nunca. Porém, nem tudo são prazeres. Por mais que nos sintamos desencanados sobre o assunto, o sexo ainda é cercado por temas espinhosos e que abalam a sociedade, tais como homossexualidade, impotência, a violência contra a mulher, a pedofilia, a erotização dos meios de comunicação e a desestruturação familiar, já que cada vez mais o casamento é eterno enquanto dura. Sinais evidentes que em se tratando de sexo, muita água ainda haverá de passar por debaixo da ponte e que nem os próximos 500 anos deverão dar o assunto por encerrado.

Mary Del Priore faz de “Histórias Íntimas” um livro excitante, que mexe com a nossa imaginação, mas longe de apelar para a vulgaridade. Embora prazeroso, o assunto é sério. Com sua escrita simples, o livro acaba com qualquer frigidez e se abre para ser possuído tanto pelo especialista como pelo mais lascivo sujeito interessado em matar a curiosidade sobre o tema. Consumada a leitura, fica uma certeza só: cinco séculos depois das caravelas portugueses terem aportado no que ficou conhecido como Brasil, hoje estamos muito mais à vontade para gozar a vida, em todos os sentidos...

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