quarta-feira, 12 de maio de 2010

A cultura da hortelã no Oeste do Paraná - Parte Final


LEGENDA: Seu Zequinha: “sinto muita saudade. Isso nunca mais sai da memória da gente”.

Costumes diferentes

Em sua dissertação, Gilson chama a atenção para as diferenças nos modos de viver entre os migrantes vindos do sul e aqueles que chegaram de outras regiões do país. Uma, já apontada, é que os catarinenses ou gaúchos, em sua grande maioria, adquiram terras nos primeiros anos da colonização, enquanto que os outros quase sempre vinham para trabalhar nessas áreas como empregados, meeiros ou arrendatários.

Esse fato levava a uma situação até engraçada, porque os migrantes do sul, geralmente, pressupunham que os “nortistas” tinham vocação ou já sabiam lidar com a hortelã, o que estava longe da verdade. “É um conhecimento que eles adquiriram trabalhando, por uma questão de necessidade de sobrevivência. Pelos relatos dessas pessoas, elas não sabiam, nem conheciam o que era a hortelã”.

Outro estranhamento era a maneira de lidar com o dinheiro. “Eles não tinham muito o costume de economizar”, diz Gilson sobre os trabalhadores ditos nortistas, embasado em entrevistas feitas com migrantes tanto do sul como das outras regiões. Huberto Dörner, 66 anos e pequeno produtor que chegou em Mercedes em 1961 e que também chegou a trabalhar com a hortelã, mas numa pequena área, corrobora com a afirmação.

Músico que tocou em muitos bailes da época, Huberto entende que “o caboclo, os paulistas que vieram na ocasião aí, eles não sabiam economizar, deixar pra amanhã. Torravam o que tinham. Se tinham os últimos cinco pilas no bolso, não iam embora sem gastar e amanhã eles começam tudo de novo”. Em razão disso, além do fato de haver um grande número de pessoas na época da hortelã, ele afirma que na época “quem mais faturou foram os comerciantes de Mercedes”.

Seu Geraldo, o mineiro que trabalhava como peão na atividade, comenta que, no seu caso, “o dinheiro que às vezes a gente tinha ia passear, rapaz solteiro, sabe como que é, né! Não segura muito o dinheiro. Então, tudo que eu via eu comprava”.

O fim

A cultura hortelaneira exige um solo bastante rico, o que se encontrava facilmente na região. Para tanto, bastava fazer o desmatamento. Realizada essa tapa, se plantava as mudas, que estariam prontas para o primeiro corte dentro de 120 dias, em média. Assim, a planta brotava novamente e outro corte podia ser feito depois de quatro meses, o que resultava em três colheitas a cada ano. Porém, como a hortelã é uma cultura que exige muito do solo, uma área servia para a atividade por no máximo cinco anos. A partir desse período a produção começava a definhar, o que exigia a derrubada de novas áreas da mata.

Uma vez feito o corte, as plantas eram levadas para o alambique, onde se extraía o óleo. Este era o produto que as empresas compradoras estavam interessadas e pelo qual faziam o pagamento conforme o total de gramas de óleo que era entregue em cada venda.

Com o esgotamento do solo e sem mais áreas para onde expandir, ao final da década de 1970 a produção acabou se tornando inviável e foi substituída por outras atividades, entre elas, a cultura da soja, que foi intensificada. Sem terem mais onde trabalhar, uma vez que no mesmo período aconteceu a mecanização das práticas agrícolas, que reduziu drasticamente a necessidade de mão-de-obra, muitas pessoas acabaram indo embora da região. Quem ficou, teve que se adaptar à nova realidade e buscar outras alternativas de renda.

Além do colapso da economia ligada à hortelã, a cultura deixou também um enorme rastro de destruição da natureza, em um período em que já se começavam os alertas sobre a necessidade de se cuidar do meio ambiente. Conforme o historiador Gilson, na época, “a Copagril, nos seus informativos, já alertava que, junto com a produção agrícola, que necessitava de uma área cada vez maior, existia também uma preocupação com o meio ambiente”.

Atualmente, a devastação da natureza da região está muito associada ao processo de mecanização agrícola, mas antes, conforme o pesquisador, esse processo já estava em andamento. “A hortelã colaborou bastante para a devastação”, afirma o pesquisador, que revela que os próprios governos acabavam incentivando a derrubada da mata. “A partir dos relatos que eu trabalhei, foi colocado que quanto mais mato você derrubava, mais terra você estava ocupando e maior era o financiamento que podia fazer. Derrubava-se o mato até a barrancas dos rios. Queimava-se a madeira ou jogava no rio”, revela.

Daquele período, hoje restam somente as lembranças, algumas fotos ou poucos documentos espalhados por aí. Mas alguns que viveram no dia-a-dia a cultura da hortelã, como Seu Zequinha, ainda estão por aí e lembram muito bem de toda aquela história. “Foi uma época boa. Uma luta que valeu a pena. Sinto muita saudade. Ainda sonho com a lambicação da hortelã e isso nunca mais sai da memória da gente”, garante o agricultor.

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