quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O Circo do Dr. Lao



Um cachorro feito de plantas. Uma serpente marinha que mede 25 metros e fala. Uma esfinge, um unicórnio, um sátiro, uma sereia, uma tartaruga bicéfala e uma quimera. Um lobisomem que se transforma em uma mulher de 300 anos. Apolônio de Tiana, um taumaturgo contemporâneo de Cristo. Medusa, que no lugar de cabelo tinha cobras e que transformava em pedra quem olhasse diretamente para seus olhos. E o Dr. Lao, um velho chinês dono do circo onde são apresentadas essas criaturas e muitas outras, tão incomuns que muitos duvidam da existência delas.

Escrito pelo jornalista estadunidense Charles G. Finney (1905-1984) e publicado em 1935, “O Circo do Dr. Lao” é um dos maiores clássicos da literatura fantástica do século XX. Em 1964, foi transformado em filme dirigido George Pal, que recebeu no Brasil o título de “As Sete Faces do Dr. Lao”, o mesmo nome dado ao livro em edições brasileiras mais antigas. Em 2011, a Editora Leya relançou o livro no país, mas com o título de “O Circo do Dr. Lao”, uma tradução fiel ao original em inglês.

Cartaz do filme "As Sete faces do Dr. Lao", de 1964

A história se passa em 03 de agosto de algum ano entre o final da década de 1920 e início dos anos 30, na pequena e tranquila cidade de Abalone, no Arizona (EUA). Na edição daquele dia, o jornal A Tribuna Matutina de Abalone publicou um anúncio sobre um circo bastante diferente que estava chegando à cidade. A propaganda garantia que “aquele circo mostraria animais que nenhum homem já tinha visto; bestas mais ferozes que todos os sonhos de ferocidade; serpentes mais ardilosas que toda a concepção de astúcia; híbridos mais estranhos que todos os pesadelos da fantasia”.

Curiosos em conhecer essas criaturas jamais vistas em Abalone, os moradores se reúnem na rua principal para assistir ao desfile que exibiria algumas das atrações. Surpresos, homens, mulheres e crianças dividem-se entre o espanto e a incredulidade. “Quando o desfile passou diante dele, o sr. Etaoin (o revisor do jornal da cidade) achou graça, imaginando se seus olhos estariam funcionando direito”. Apenas três carroças puxadas por animais tão esquisitos quanto aqueles que estavam dentro das grades. O povo até discutia se dentro de uma das jaulas estaria um homem, um urso ou um russo?

Nesse momento, o leitor já está tão instigado quanto os habitantes de Abalone para conhecer o circo.

A Medusa, que transforma em pedra quem olhar diretamente para seus olhos

Quando as apresentações iniciam, aquilo que já era estranho se torna definitivamente bizarro. Kate – descrita como uma mulher gorda –, ignora os avisos do Dr. Lao, olha diretamente nos olhos da Medusa e é instantaneamente petrificada. Foi transformada em calcedônia maciça: “uma das melhores pedras de construção que existem”, como atestou um geólogo.

Agnes Birdson, a professora de inglês do ginásio que se achava calma e inteligente, é seduzida pelo sátiro, “talvez a figura mais encantadora da antiga mitologia politeísta grega. Combinando as formas de homem e bode, sua constituição sugere fertilidade, uma vez que tanto o homem como o bode são animais de extraordinária atividade sexual”.

Sátiro: meio homem, metade bode

A repórter da Tribuna Matutina achou que havia conseguido uma grande reportagem ao entrevistar o Dr. Lao, o que era nada perto do que fez o Sr. Etaoin: entrevistou a serpente marítima.

A COBRA: Por que me olhas assim? Tu e eu nada temos em comum senão o ódio recíproco.
ETAOIN: Tu me fascinas. Mas por que fazes tua cauda zumbir como uma cascavel?
A COBRA: Por que não? É meu atavimento predileto.
ETAOIN: Seria possível que a compulsão instintiva que me faz procurar uma árvore quando um cão late para mim seja a mesma que te faz chacoalhar quanto te alarmas?
A COBRA: Não. Tua compulsão nasce do medo. A minha do ódio. Teu instinto é de covardia. O meu, de contra-ataque. Tu desejas fugir. Eu, revidar. Tens medo da tua própria sombra. Eu nada receio.
ETAOIN: O deus que te deu bravura deu-me astúcia.
A COBRA: Eu não trocaria uma pela outra.

O escritor Charles G. Finney serviu o Exército norte-americano na China entre 1927 e 1929. Desse contato com a cultura e a filosofia orientais é que o autor afirmava ter surgido a inspiração para criar “O Circo do Dr. Lao” e seus personagens inacreditáveis, como o cão-das-sebes, “essa criatura soberba que não é planta nem animal, mas uma mescla perfeita de ambas. (...) Esse cão, que não era produto de experiências e de erros, a quem faltava luxúria, um ser isento de temores e instintos ancestrais. (...) Será esse cão uma alusão ao objetivo da vida?”.

Cena do filme "As Sete Faces do Dr. Lao"

Um das críticas feitas à adaptação do livro para o cinema é que o roteiro do filme transforma a obra em uma metáfora da vitória do bem sobre o mal. Nada mais distante da essência do livro, que em momento algum se presta a pregar moralismos de qualquer tipo. A ausência de julgamentos e a afirmação da individualidade é o que ganha evidência no “Circo do Dr. Lao”.

Em uma das passagens finais do livro, no auge do espetáculo onde o Satã Mekratrig domina o picadeiro, Agnes Birdson, a professora de inglês que acreditava ser calma e inteligente, revoltada questiona o Dr. Lao por que o símbolo do mal surge em todas as cenas do circo, ao que ele responde:

“O mundo é a minha ideia. É esse o mundo que eu lhes apresento. Tenho meu próprio sistema de pesos e medidas e meu próprio quadro de valores. A senhora tem o direito de ter o seu”.

Que cada um entenda o sentido disso como quiser...

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Assista ao filme “As Sete Faces do Dr. Lao” AQUI.


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