segunda-feira, 15 de julho de 2013

Nas entranhas do grunge



As histórias mais conhecidas e engraçadas, assim como as mais remotas e deprimentes sobre a cena musical de Seattle (EUA) – que ganhou fama no início dos anos 1990 – estão reunidas no livro “Everybody Loves Our Town: an oral history of grunge” [Todo Mundo Ama Nossa Cidade: uma história oral do grunge], do jornalista estadunidense Mark Yarm. Editado pela Three Rivers Press, a publicação recebeu críticas elogiosas, sendo inclusive escolhida como “o melhor livro do ano” pela revista Time em 2011, o que não é pouca coisa.

O grunge pode ser considerado a última grande cena musical do rock, levada aos quatro cantos do mundo por nomes como Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains e Soundgarden, apenas citando os mais famosos. E o que o jornalista Mark Yarm se propôs a fazer e o fez muito bem em seu livro foi tentar explicar como grupos acostumados a tocar em festas da vizinhança ou em pequenos clubes para algumas dezenas de pessoas se tornaram rock stars da noite para o dia e promoveram uma considerável revolução cultural não só na música, mas também na moda.

“Everybody Loves Our Town” segue o mesmo método de outro livro obrigatório da história da música pop, o clássico “Mate-me por favor: uma história sem censura do punk”, escrito por Legs McNeil e Gillian McCain. Ou seja, toda a história é contada a partir de depoimentos de centenas de pessoas, sempre transcritas em discurso direto. Para seu livro, Mark Yarm realizou mais de 250 entrevistas incluindo tanto os personagens famosos como aqueles que não tiveram seu reconhecimento público, mas foram fundamentais para a origem e desenvolvimento do grunge: músicos, produtores, fotógrafos, jornalistas, executivos, empresários e quem mais tivesse algo de interessante para contar.

Jack Endino, o produtor que talvez mais tenha gravado bandas de Seattle da geração grunge, já nas primeiras páginas não esconde sua surpresa pelo fato da cidade ter se tornado por um breve tempo a Meca da música. “Ninguém pensava que houvesse a mínima chance de ter sucesso. As pessoas faziam discos pensando em agradar a si mesmas porque não havia ninguém mais para agradar, ninguém estava prestando atenção em Seattle. Era apenas um pequeno e isolado germe cultural”, define Endino.

Fazem parte dessa primeira geração nomes desconhecidos como Malfunkshun e Green River, que hoje são mais lembrados por terem em sua formação membros que anos mais tarde estariam em bandas famosas como Pearl Jam e Mudhoney.


Sub Pop

É muito provável que a cena musical de Seattle continuaria sendo um minúsculo “germe cultural” se não fosse por Bruce Pavitt e Jonathan Poneman, os fundadores do selo Sub Pop, que em 1988 começou a gravar as bandas da região. Como os próprios ironizaram no documentário “Hype!” (1996), quando começaram o selo, para atrair o interesse das bandas e do público fingiam que a Sub Pop era uma grande gravadora. Depois, com o sucesso do grunge, para manter o status de selo alternativo a ideia de Pavitt e Poneman era vender a imagem de que a Sub Pop não passava de uma empresa minúscula.

Sem grana para promover individualmente cada uma das bandas do selo, os donos da Sub Pop tiveram o insight de pagar uma viagem para o jornalista inglês Everett True conhecer a cena de Seattle. Por dias seguidos True foi generosamente abastecido pela Sub Pop com litros de álcool, entrevistou bandas e foi a shows estrategicamente agendados para parecer que Seattle tinha uma grande cena musical.

“Eu pensava em como era hilário que todo mundo mentia”, declara o jornalista no livro de Mark Yarm. O caso é que a matéria de Everett True, publicada na revista Melody Maker em março de 1989 com o título “SUB POP Seattle: rock city”, aguçou o interesse dos ingleses, que passaram a se interessar pelo que estava acontecendo em Seattle.

O “golpe” dos donos da Sub Pop havia dado certo. A ideia era simplesmente tentar reproduzir o que havia feito Jimi Hendrix duas décadas antes. Nascido em Seattle, o então desconhecido guitarrista mudou-se para a Inglaterra e lá construiu sua fama, para depois ver sua música novamente exportada aos Estados Unidos. E foi o mesmo que aconteceu com a Sub Pop e suas bandas: primeiro a fama na Europa, depois o reconhecimento do público americano.

Porém, não foi nenhum nome da Sub Pop que teve um primeiro grande sucesso. Isso coube ao Alice in Chains e sua música “Man in the Box”, presente no disco “Facelift”, de 1990. Nick Terzo, executivo da Columbia, gravadora da banda, resumiu a história de como o grunge “aconteceu” ao dizer que o Alice in Chains teve o trabalho de abrir inúmeras portas e que o Nirvana veio logo atrás.

Nirvana em outubro de 1991, logo após o lançamento de "Nevermind"

Efeito Nirvana

A partir do sucesso de “Nevermind”, o segundo álbum do Nirvana - lançado em setembro de 1991 pela gravadora Geffen Records, a história da cena musical de Seattle é bem conhecida. O grupo de Kurt Cobain derrubou Michael Jackson e Guns n’ Roses do topo da parada da Billboard. Outros grupos também alcançaram imenso sucesso e o rock alternativo, durante anos relegado a um pequeno público underground, virou a nova galinha de ouro para as gravadoras.

O sucesso afetou de modo diferente cada um da cena musical de Seattle. Conforme revelam os entrevistados em “Everybody Loves Our Town”, havia quem se esbaldava no estilo de vida “sexo, drogas e rock and roll” proporcionado pela fama repentina. Outros simplesmente não conseguiram segurar a onda. Ou pelo menos fingiam não gostar da nova condição de estrela do rock. No livro, o guitarrista Kim Thayil, do Soundgarden, comenta que a lógica dos artistas era, em muitos casos, “fingir que nós não queremos todo esse sucesso, mas que alguém está nos forçando a isso. Eu penso que todo mundo fez isso, incluindo membros da minha própria banda”.

Pearl Jam se tornou a banda grunge de maior sucesso

Overdose grunge

Aceitando bem ou não o sucesso (ou a falta dele, para a maioria), todos tiveram que lidar com a ressaca que se abateu sobre Seattle quando a moda grunge passou. Kurt Cobain não foi o primeiro e nem o último artista a ter um fim trágico. Antes dele outros já haviam morrido por overdose de drogas ou tiveram problemas sérios, especialmente com a heroína. E é a morte por overdose do vocalista do Alice in Chains, Layne Staley, em 2002, que praticamente encerra a era grunge.

Obviamente que muitos personagens dessa geração continuam por aí. Dave Grohl, ex-baterista do Nirvana, montou a super banda Foo Fighters. O Pearl Jam continua na ativa até hoje como um dos maiores nomes do rock atual. O Soundgarden voltou a existir e atualmente excursiona com um álbum novo. O Alice In Chains também, após mais de uma década parado, retomou a carreira com um novo vocalista e já lançou dois discos de inéditas desde 2009. Jack Endino não precisou mudar de profissão como ele temia na metade dos anos 1990 e ainda é um produtor bastante requisitado e respeitado. A gravadora Sub Pop, agora parceira da Warner Bros., comemora em 2013 seu 25º aniversário, ainda gravando e revelando artistas interessantes.

Mas o grunge como um movimento agora faz parte dos livros de história, sendo o melhor deles até agora “Everybody Loves Our Town”. Está tudo aqui nas 550 páginas do livro de Mark Yarm: as origens, as brigas, as loucuras, os excessos, os sucessos e fracassos. Tudo contado pelos grandes e pequenos personagens que tiveram o privilégio de estar no olho do furacão de uma era memorável do rock and roll.

-- 

PS.: Mark Yarm e os fãs de rock ainda aguardam que alguma editora brasileira deixe de ser idiota e publique o livro no Brasil.

Entrevista com Mark Yarm aqui

3 comentários:

  1. Massa!Concordo com o PS!

    ResponderExcluir
  2. esse "resumo/resenha" me deixou com uma puta curiosidade de ler o livro!

    - Marcio

    ResponderExcluir
  3. Eu sou um desses que está aguardando a publicação no Brasil a algum tempo!

    - Anderson

    ResponderExcluir