sábado, 23 de janeiro de 2010

Entrevista exclusiva com Marcelo D2



Nos tempos da faculdade de Jornalismo lá em Ponta Grossa (PR) – que cursei entre 1997 e 2000, volta e meia lançava uns fanzines (pra quem não sabe, uma espécie de revista xerocada, montada praticamente de forma artesanal) onde escrevia algumas bobagens que hoje eu não mostro pra ninguém... hahahahhahha... Mas, fuçando nos arquivos aqui, hoje vejo que até saíam algumas coisas do caralho. Uma delas, publicada na segunda edição do fanzine Outsider (de novembro de 1998), foi uma entrevista exclusiva que fiz com Marcelo D2.

O papo rolou no camarim, minutos antes do então vocalista do Planet Hemp subir ao palco para mostrar aos curitibanos as músicas do, na época, recém lançado primeiro disco solo de Marcelo D2, “Eu Tiro É Onda”. Noite fodida mesmo. Eu moleque, lá com 20 anos, cabeludo (Jesus!!!), cabaço pra caralho nessa de jornalismo musical, com credencial de imprensa no peito, circulando pelos camarins do Marcelo D2, Raimundos, Nação Zumbi e Pavilhão 9, só a nata da maloqueiragem rock and roll brasileira anos 90...

Mas, voltando à entrevista com o Marcelo D2, dá pra perceber que, passados quase 12 anos, tem muita coisa que vale a pena ser lida ainda. Tá certo que o Marcelo D2 de hoje não é mais o mesmo porralouca da época do Planet Hemp e tal, mas tem muita coisa aí sobre drogas, preconceito, polícia, etc. que são bem atuais. Vale lembrar que alguns meses antes da entrevista, o Planet Hemp havia sido preso em Brasília por apologia à maconha. A banda ficou em cana por uma semana e o fato virou polêmica nacional. Marcelo D2 comenta isso na entrevista também.

Bom, não vou ficar aqui contando o que ele disse ou deixou de dizer. Veja com seus próprios olhos a bagaça, que tá na íntegra aí embaixo!

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MARCELO D2:
“É difícil ser honesto em um país de ladrão!”


De camelô que estudou até a 6ª série a músico mais polêmico do Brasil. Assim pode ser resumida a vida de Mareclo D2, o vocalista e letrista da banda Planet Hemp. Por defender a legalização da maconha, a banda foi presa no final do ano passado e chegou a ficar uma semana atrás das grades. O fato virou notícia nacional e o Planet Hemp nunca vendeu tantos discos, seja do primeiro trabalho “Usuário”, como do seguinte, “Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára”.

Na verdade, a caravana deu um tempo e Marcelo D2 aproveitou para realizar um antigo sonho, gravar um disco solo de hip-hop. “Eu Tiro É Onda” foi lançado em setembro e já está sendo cotado para o melhor lançamento nacional do ano. A receita é simples: letras que retratam o dia-a-dia urbano da periferia e dos malandros do Rio, além, é claro, de muita maconha. Para dar um toque ainda mais brasileiro ao seu disco solo, Marcelo também convidou vários cantores de samba, como Martinho da Vila. Com vocês, Marcelo D2.

Qual a maior diferença entre o seu disco solo “Eu Tiro É Onda” e o Planet Hemp?
Cara, esse sonho é meu, é próprio. É uma parada que há muito tempo eu estava a fim de fazer, um disco de rap só com sampler de música brasileira. E é isso aí, o Planet vai continuar, o Planet Hemp não acabou. No ano que vem a gente vai estar gravando disco novo. Há muito tempo que eu estou a fim de fazer esse disco meu. Acho que a hora era agora.

A hora foi agora por causa dos problemas do Planet Hemp?
Eu já estava pensando em gravar este disco em 98, antes da gente ir pra cadeia no ano passado. A gente ficou meio em dúvida se gravaria este disco ou gravaria o Planet. Então resolvi manter os planos da gente sem deixar que a cadeia alterasse nossas mentes. É muito difícil depois daquilo tudo não ter abalado a estrutura da banda. O grupo ficou meio... Mas, a gente tá acostumado e sabia que isso ia acontecer mais dia menos dia.

O que mudou na banda depois da prisão do grupo?
A gente tinha a ficha limpa e agora não tem mais (risos)! Mudou isso. Agora tá todo mundo fichado na polícia.

Mas, em relação ao som e às idéias da banda?
A mesma coisa. Se a prisão mudasse alguma coisa a gente não ia nem começar a fazer um trabalho como o do Planet.

E como surgiu a idéia de fazer um disco de hip-hop misturando samba?
Eu estou afim de fazer um disco de hip-hop há uns cinco anos. Desde o começo do Planet eu estava a fim de fazer um disco só meu de hip-hop. Só que com o tempo foi amadurecendo a idéia: “vamos misturar hip-hop com samba”. O Planet Hemp tem umas quatro músicas que já fazem isso. Como eu te disse, foi amadurecendo. Eu montei um estúdio em casa, comecei a fazer uma pré... Não foi bem uma pré, foi uma dita demozinho, fazendo som, fazendo som e foi saindo para esse lado. A parada tem muito da veia, não foi muito pensado, entendeu?

Como é poder gravar em um estúdio em casa, com os amigos, um disco que lembra a produção de fita demo?
Eu acho que os esquemas são os mesmos porque quem escreve as letras no Planet sou eu e no “Eu Tiro É Onda” também. Eu acho que o som está mais cool, está mais hip-hop, mais funkeado. Agora, os temas são os mesmos. Falo tudo o que eu falo no Planet Hemp.

Quanto ao Planet, vocês já estão pensando no novo disco?
Ano que vem a gente começa a gravar o disco. Mas o Black Alien vai gravar o disco dele solo, o Zé Gonzáles vai gravar o disco dele solo e até no meio do ano que vem a gente vai se reunir de novo e aí fazer um disco do Planet Hemp.

O que o público pode esperar do novo disco e se a prisão serviu de publicidade para a banda?
Lógico! Todo mundo começou a ter uma curiosidade muito grande em cima da banda. Eu acho que a banda vendeu bastante disco por causa disso. Mas isso não afeta a gente até mesmo porque nós resolvemos não gravar o disco do Planet agora. Assim seria muito fácil, é o que todo mundo queria, o Planet Hemp falando das suas aventuras na cadeia. Mas, não era isso que a gente queria, não era isso que a gente estava afim, ta ligado? Eu estava a fim de fazer o meu disco e a banda vai continuar. Ano que vem vai ser uma bomba que nem foi “Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára”, que nem foi o “Usuário”. Acho que disco é uma parada muito importante e eu não quero nunca soltar um disco por, sei lá, pra vender ou fazer publicidade.

Como vocês vão tentar trabalhar os shows, já que vocês estão sendo processados e podem ser presos novamente?
Não sei, só no ano que vem pra ver isso. Mas, eu tô pouco me fodendo, tá ligado? Não tenho medo de ser preso de novo. O nosso trabalho é honesto e é difícil ser honesto em um país de ladrão. Eu faço um trabalho honesto, digno e me sinto orgulhoso de fazer esse trabalho. Os caras acham que eu sou o bandido na história. Estão errados, estão totalmente errados. E não me amedronta nada essa situação. Todo dia na minha casa tem telefone com neguinho falando “você vai morrer”, não sei o que. Mas, cara, todo mundo vai morrer aqui e esse trampo que eu faço é muito bom. Eu fico muito satisfeito em fazer esse trampo. O Planet Hemp me dá muito orgulho. Se eu não tocasse no Planet Hemp eu ia ser fã da banda. Eu tenho orgulho de estar na banda, de participar. Polícia? Desde que eu tinha dois anos que eu estou acostumado a correr da polícia.

Fale um pouco sobre o seu selo Positivo e como você vai conciliar as carreiras de músico e empresário?
Na verdade, a idéia é minha, mas eu não tenho nenhuma manha de ficar atrás de uma mesa de escritório trabalhando, administrando. Não sou administrador, por isso vai trabalhar uma galera comigo. O selo é meu, mas eu não vou ficar 24 horas lá. Eu só quero poder fazer som e lançar pelo selo. Vai ter uma galera legal. A gente está fazendo um fanzine, vai lançar uma revista na seqüência, vai ter dois discos do Zé Gonzáles e do Black Alien, vai ter um disco de uma festa que eu faço no Rio de Janeiro que se chama Hip-Hop Rio, vai ter uma coletânea de bandas dos anos 90 tocando bandas dos anos 80: Raimundos, Nação Zumbi, Planet Hemp e isso vai rolando. Positivo não é só para ser um selo. Positivo é tipo uma parada para o bem. Toda parada que quiser ser maneira e quiser arrecadar dinheiro para ajudar pessoas com AIDS e, principalmente, crianças, vai ter o selo Positivo lá.

Você perdeu um grande amigo, o Skunk, em decorrência da AIDS, em 1995. De que forma isso influenciou no seu trabalho?
Eu estava num rombo na minha vida e, de repente, o cara entrou nela e em três anos a minha vida tinha mudado totalmente. Eu nunca tinha pensado em fazer uma banda. O cara encheu o saco e a gente fez o Planet Hemp. Ele morreu e eu fiquei aqui: “caralho, o meu melhor amigo morreu de AIDS!”. E rola um preconceito muito grande. Eu tenho certeza que se eu não fosse amigo do Skunk eu teria preconceito também. Mas isso acontece pela falta de informação das pessoas. A gente, pelo menos eu que estou aí, tem que tentar quebrar isso.

Como você analisa as campanhas antidrogas que são transmitidas na mídia?
Essas campanhas contra drogas, contra sei lá o que, tratam as pessoas como imbecis. “Droga mata. Ah, corre, sai correndo porque droga mata”. Não é assim. Está aí, todo mundo sabe, está aqui. É muito fácil. É só você estender a mão que vai pegar, vai cheirar, vai fumar, vai beber. Acho que ninguém é imbecil. Tem que tratar de outra maneira. O governo, ao invés de colocar uma mulher toda ensangüentada dizendo que ela vai dominar seu corpo e não sei mais o que, tinha que falar: “cocaína, se você cheirar, faz mal para o coração, você vai ter um ataque” e pronto. Não precisa mais. Essas campanhas são imbecis, tratam principalmente os adolescentes como se fosse imbecis.

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