quarta-feira, 4 de novembro de 2009
As reações psicóticas de Lester Bangs
As reações psicóticas de Lester Bangs
Quem acha que ler revista de rock é coisa pra adolescente só pode pensar assim por três motivos:
1. Não gosta de rock.
2. Não gosta de ler.
3. Não teve a oportunidade de ler um artigo do jornalista norte-americano Lester Bangs.
É verdade que Lester Bangs teve apenas um livro lançado até agora no Brasil, mas “Reações Psicóticas” é uma boa introdução à obra de um dos mais polêmicos jornalistas de rock da história. Lançado em 2005, "Reações Psicóticas" reúniu oito artigos de Lester Bangs e marcou a estréia da coleção Iê Iê Iê, da Editora Conrad, colocou os brasileiros em contato com as obras de alguns dos maiores nomes internacionais do jornalismo dedicado à música em todos os tempos. Aliás, este era um tipo de literatura que estava fazendo falta no país. Enquanto que nos países de primeiro mundo é enorme o volume de publicações relacionadas à música pop, as editoras brasileiras ainda estão dando os primeiros passos neste sentido. Contudo, é preciso dizer que o mercado editorial evoluiu muito, resultado de um maior número de editoras com um apelo mais underground, juntamente com as facilidades geradas pela Internet, que colocaram os rockers tupiniquins em contato com uma gama enorme de informações, as quais acabaram criando consumidores bem mais exigentes.
Voltando ao livro, "Reações Psicóticas" é a única obra que leva a assinatura de Lester Bangs publicada no Brasil. Nascido Leslie Conway Bangs em 1948, o jornalista morreu com apenas 33 anos, em 1982, provavelmente de uma overdose de remédios que ele vinha tomando como parte de um tratamento contra o alcoolismo. No fim da sua vida, Bangs não era mais o mesmo. Mas também o rock não era mais o mesmo. A energia e a truculência vivida pela música pop nos anos 60 e 70 estava dando lugar a uma espécie de pasticho potencializado pelo surgimento da MTV. Ao mesmo tempo, Lester Bangs também estava um pouco mais rebuscado. Seus textos já eram mais trabalhados, muito diferentes das suas primeiras matérias cheias de vitalidade e espontaneidade, qualidades que ao mesmo tempo lhe abriram e fecharam portas, como aconteceu quando ele foi expulso da revista Rolling Stone porque seus editores achavam que Bangs não tratava os músicos com o devido respeito. E não respeitava mesmo: "os heróis estão aí pra tomar porrada", escreveu ele em texto incluído em "Reações Psicóticas".
Lester Bangs começou a sua carreira em 1969 e durante os quase 14 anos em que atuou como crítico musical colaborou com publicações importantes como NME, Village Voice, Creem, Rolling Stone, entre outras. O seu estilo pode ser classificado como New Journalism, aquele em que o jornalista é tão importante quanto o seu entrevistado ou o objeto de sua matéria. Importante porque o repórter deixa de ser um mero observador e passa a atuar como personagem que se envolve na ação, deixando a questão da imparcialidade para os jornalistas comuns. Lester Bangs ainda pode ser enquadrado na categoria Gonzo, um sub-gênero do New Journalism inaugurado por Hunter S. Thompson (1937-2005), em que a percepção/ação do jornalista geralmente é alterada pelo uso de drogas, álcool, enfim, qualquer coisa que o faça ver a realidade de uma forma, digamos, diferente.
Esse, aliás, era o segredo de Lester Bangs: não o uso de drogas, mas a forma única com que ele percebia o mundo pop. "Se tem alguma coisa que eu odeio escutar de músicos é papo de música", afirma ele em outra passagem de “Reações Psicóticas”. Mas, se um crítico de música não escreve ou não conversa com músicos sobre música, que diabos ele faz? Atitude, meus amigos, é isso que importava para Lester Bangs.
Atitude dos artistas diante da música, da vida.
Com tudo isso, é evidente que o anúncio do lançamento de um livro de Lester Bangs no Brasil criou grande expectativa. Não vou enganar ninguém e dizer que já conhecia alguma coisa da obra do cara. Conhecia o mito, o nome da figura que os Ramones homenagearam com um verso na canção "It’s Not My Place" em 1981, o jornalista que era citado como referência por muitos críticos musicais brasileiros. E confesso que ao ler o texto que abre "Reações Psicóticas" fiquei decepcionado. A matéria "Astral Weeks", publicada em 1979 pela Stranded, fala sobre o disco homônimo de Van Morrison lançado em 1968. Aqui já encontramos o Lester Bangs literário, polido, amaciado de tanto dar e levar cacetadas durante os seus primeiros 10 anos de carreira. Neste texto ele escreve coisas refinadas como "não se trata de mística oriental ou visão psicodélica para além da maionese, tampouco é uma percepção baudelariana da beleza do nojo e do grotesco".
Mas esse desânimo durou apenas 19 páginas pois no texto seguinte dá pra começar a entender o porquê de Lester Bangs, 27 anos depois de sua morte, ainda ser tão lembrado. O texto é uma resenha sobre "Live at the Paramount", o álbum ao vivo do The Guess Who. Publicado na revista Creem em 1972, ele é um exemplo perfeito do modo como o autor escrevia sobre rock. "Porra, fodam-se os velhões vestindo seu bom gosto transado nas mangas de camisa: cate este disco e toque bem alto e seja o primeiro no seu quarteirão a se tornar um flagelo público", recomenda Lester Bangs. Já em texto sobre o Kraftwerk, também publicado pela Creem em 1975, ele traça a seguinte teoria sobre o sucesso do grupo alemão: "os alemães inventaram a anfetamina para os americanos (e para os ingleses - não podemos esquecer de Rick Wakeman e Emerson, Lake & Palmer) se destruírem, deixando assim o mundo da música pop aberto para a conquista definitiva".
Ainda fazem parte de "Reações Psicóticas" outros artigos sobre Elvis Presley, John Lennon, Jethro Tull e Iggy Pop. Mas, nenhum se compara com a matéria sobre Lou Reed. Publicada pela Creem em março de 1975, essa, definitivamente, não foi uma entrevista e sim uma luta entre o repórter e o músico com mais de duas horas de duração madrugada adentro, conforme o jornalista conta. O fato é que Lou Reed era o maior ídolo de Lester Bangs: "Lou Reed é meu herói principalmente porque ele representa as coisas mais fodidas que eu jamais conseguiria sequer conceber". Aí você lembra que isso foi escrito pela mesma pessoa que havia dito que os heróis estavam aí para tomar porrada e o que se tem em mãos é um artigo como este "Vamos Agora Louvar os Famosos Duendes da Morte, ou Como Enfiei o Pé na Jaca com Lou Reed e Fiquei Acordado". Logo nas primeiras páginas, Lester Bangs conta a sua preparação para entrevistar Lou Reed, conhecido pelo seu temperamento cruel com jornalistas. "É, o Bacana estava chegando à cidade, e eu estava pronto para a batalha. Entornei um scotches pelo gargalo e masquei valiums como se fossem jujubas (...) e armei-me com os meus insultos".
Este é o Lester Bangs que foi expulso da Rolling Stone, virou mito e que os brasileiros já podem conhecer. Infelizmente, "Reações Psicóticas" conta com um número reduzido de artigos (apenas oito em 134 páginas), embora tenha um ótimo prefácio assinado pelo escritor italiano Wu Ming 1. Ao terminar de ler o livro, fica a expectativa de que novos título de Lester Bangs ganhem a sua versão em português e que, quem sabe, alguma editora ainda se interesse em colocar nas livrarias do país uma edição nacional da biografia "Let It Blurt", de Jim DeRogatis. Com certeza, leitores interessados não vão faltar.
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Se eu morasse nos EUA na época em que esse cara estava na ativa eu iria gostar. Só que no Brasil essa imprensa não existe e os poucos que editam uma revista fazem um trabalho no máximo mediano.
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