terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ele dormiu com Joey Ramone


O livro nem é tão novo assim. Foi publicado pela primeira vez em 2009 nos Estados Unidos. Mas esperei um bom tempo achando que a obra seria lançada no Brasil, mas nada. Vai ver as editoras estavam e estão ocupadas demais lançando biografias interessantes de subcelebridades como Jeisi Arruda, enquanto essa ótima história sobre a vida do cantor dos Ramones aguarda na fila até que algum editor se dê conta que está perdendo dinheiro.

Como isso não aconteceu até agora, o jeito foi importar um exemplar de “I Slept with Joey Ramone: a family memoir” (Eu Dormi com Joey Ramone: uma memória de família). Ao contrário do que possa parecer pelo título, não se trata de um livro escrito por alguma groupie ou ex-namorada do cantor, mas sim pelo irmão de Joey, Mickey Leigh, que contou com a ajuda do jornalista Legs McNeil, autor da bíblia punk “Mate-Me Por Favor”, para produzir as 400 páginas dessa biografia, lançada pela Editora Touchstone.

Joey Ramone é o nome artístico de Jeffrey Hyman (ou simplesmente Jeff, para os familiares), que se tornou mundialmente famoso cantando na pioneira banda punk estadunidense Ramones, de 1974 a 1996. Joey Ramone morreu em 2001, aos 49 anos, vítima de câncer linfático contra o qual lutou durante sete anos.

Mickey Leigh, irmão caçula de Joey, se propôs em “I Slept...” a abrir o álbum de recordações da família Hyman para os fãs dos Ramones ao redor do mundo. Mas, não se engane. Não se trata de uma ovação em tempo integral ao irmão famoso. Pelo contrário, Mickey se esforça para traçar um perfil bastante sincero de Jeff Hyman e não do astro Joey Ramone. E isso permite que você descubra que o vocalista dos Ramones podia ser em um momento a pessoa mais generosa do mundo e, em outro, um filho da mãe completo. E quem melhor do que o irmão caçula para revelar isso?

Tendo dormido com Joey no mesmo quarto durante 20, Mickey discorre fácil sobre a infância e adolescência dos dois. As angústias com a separação dos pais, a morte do primeiro padrasto, as brincadeiras na vizinhança pacata de Forest Hills, em Nova York, a paixão pelo rock and roll que ambos cultivaram desde que ouviram no rádio a música La Bamba, de Richie Vallens , ainda na década de 50. E claro, também o perrengue pelo qual sempre passou a família Hyman, que se tornou ainda pior quando Joey, que desde bebê sempre teve saúde frágil, passou a manifestar sintomas do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), uma doença psicológica que o acompanhou por toda a vida, o qual faz a pessoa repetir infinitas vezes uma mesma ação sem uma explicação lógica para isso.

Devido ao TOC, aos 20 anos de vida Joey já era dado como um inválido, recebendo pensão do governo por ser incapaz de desenvolver qualquer trabalho que lhe garantisse o sustento. E seria assim até o fim da vida dele se o rock and roll não existisse. Por incrível que pareça, Joey e outros três desajustados novaiorquinos chamados Johnny, Dee Dee e Tommy formaram os Ramones, que se tornou uma das bandas mais importantes da história do rock. E Mickei Leigh, ele próprio um músico (sem sucesso), acompanhou de perto a ascensão do irmão “inválido” até se tornar um astro da música.

No livro, Mickey Leigh descreve como os dois tomaram rumos diferentes em suas vidas. Se alguém na família tinha alguma chance de se tornar um astro no mundo da música, esse alguém era o irmão mais novo: menos feio, melhor musicista, sem transtornos de qualquer tipo. Mas foi o irmão esquisito quem se deu bem. Apesar disso, Mickey e Joey se deram bem por um longo tempo, pelo menos até a década de 90, quando as brigas normais entre irmãos foram um pouco além do razoável.

No início dos anos 90, Mickey estava completamente ferrado financeiramente. Sua carreira como músico nunca decolou. Pobre, vendia maconha para os amigos para poder sobreviver e, inclusive, acabou preso por isso. Quando os Ramones fecharam um bom contrato com a cerveja Budweiser para usar a música “Blitzkrieg Bop” em uma propaganda de televisão, Mickey viu a oportunidade de ganhar algum dinheiro, o qual ele entendia ter algum direito, já que colaborou na gravação da música em 1976, embora nunca tenha recebido créditos e nenhum centavo por isso.

A investida de Mickey, além de não garantir um só dólar, criou um abismo enorme entre ele e Joey Ramone, que se estendeu durante todos os anos 90, intercalado apenas por reaproximações breves que sempre acabavam em novos e piores desentendimentos. Na biografia, em certos momentos se tem a impressão de que Mickey deixa transparecer um certo rancor ou inveja pelo sucesso irmão mais velho. Mas o autor tenta apagar essa impressão justificando que nunca quis ser um Ramone, mas que, claro, sonhava em ter uma banda de sucesso como The Who ou os Beatles, que sempre inspiraram os dois na adolescência quando ainda tocavam juntos no porão de casa.

Porém, o agravamento do câncer aproximou os irmãos meses antes da morte de Joey. Por um capricho do destino, Mickey estava junto dividindo o palco com o irmão em uma espelunca de Nova York em dezembro de 2000, naquela que acabou sendo a última apresentação do cantor dos Ramones, que na época se preparava para lançar o seu disco solo. Dias depois, após escorregar numa calçada e quebrar a bacia, Joey foi internado e começou a perder a sua batalha contra o câncer.

E não deve ter sido fácil para Mickey transpor para o livro toda aquela situação dramática de estar vendo o irmão se esvaindo aos poucos, até dar o último suspiro, segundos após ouvir a canção “In a Little While”, do U2, no início da manhã da segunda-feira de 15 de abril de 2001. “Ele se foi com a canção, eu pensei, para aquele lugar aonde as canções vão depois que elas são tocadas – onde quer que isso seja”, escreveu Mickey, evidentemente emocionado.

“I Slept With Joey Ramone” é um prato cheio para os fãs dos Ramones e amantes do rock em geral. Embora pipoquem em todos os cantos livros e documentários sobre a banda, é a primeira vez que a intimidade de Joey Ramone é tão exposta. Talvez Joey, sempre discreto com sua vida pessoal, não aprovasse o livro. Pelo menos, não da forma e com certos detalhes nele revelados (quem diria que Joey Ramone tivesse brigas de horas com sua mãe para poder usar a maquiagem e as roupas dela no auge do glam rock no início dos anos 70?).

Mas, acredito nas boas intenções de Mickey, que fora a bobagem de fazer alguns shows por aí hoje em dia cantando músicas dos Ramones em “tributo” ao irmão, convence os leitores que fez este livro com o coração.

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VEJA VÍDEO COM MICKEY LEIGH E LEGS McNEIL FALANDO SOBRE "I SLEPT WITH JOEY RAMONE"

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Meia Noite em Paris: uma lição sobre onde está a felicidade


Quem disse que Woddy Allen fez de “Meia-Noite em Paris” um dos melhores filmes de sua carreira, não estava errado. O filme foi lançado no comecinho do ano, mas para nós que moramos longe demais das capitais,na maioria das vezes o negócio é ter que aguardar e torcer para que o DVD chegue às locadoras. E “Meia Noite em Paris” valeu à pena esperar.

Temos que concordar que todo filme de Woody Allen é bem mais legal quando ele, além de dirigir, também atua, o que não é o caso aqui. Desta vez é o ator Owen Wilson, conhecido pelas comédias pastelão, que surpreende (esforçando-se para imitar os trejeitos de interpretação de Allen) no papel do protagonista. Ele interpreta Gil, um bem pago roteirista de cinema de Hollywood, mas que está frustrado pela futilidade de seu trabalho. O sonho de Gil é se tornar um escritor de livros respeitado.

Gil está em viagem a Paris com sua noiva Inês (Rachel McAdam) e os pais dela, que desaprovam o noivado. Inês é do tipo bonita e rica, mas ordinária, que mantém um interesse meramente catedrático por artes em geral. Muito diferente de Gil, que tem um espírito de artista, se assim posso dizer.

Enfim, para não entregar toda a história toda, digo apenas que de que forma surreal Gil embarca em uma inexplicável viagem no tempo e acaba, durante várias noites, conhecendo toda a famosa geração de artistas de 1920, que, conforme Hemingway registrou em famoso livro, fez de Paris uma festa.

Além do escritor autor de “O Velho e o Mar”, Gil conhece Scott Fitzgerald, T.S. Elliot, Picasso, Luis Buñuel, Gertrude Stein, Cole Porter, Salvador Dali, entre tantos outros. Para Gil, encontrar essas pessoas era a realização de um sonho! Afinal, era lá em Paris e naquela década que alguns dos artistas mais famosos do século XX estavam começando a entrar para a história.


Em “Meia-Noite em Paris”, Woody Allen trata de um tema que deve ser recorrente na vida de cada um de nós todos: a disposição nostálgica de imaginar que outros tempos sempre foram melhores do que agora, mesmo época que a gente nunca viveu e tomou conhecimento somente através dos livros,fotos, do cinema ou da TV.

Vivendo no século XXI, a década de 1920 era uma época dourada para Gil. Contudo, a ironia do filme está justamente quando os personagens dos artistas do início do século XX desdenham da própria época. Para eles o bom mesmo seria ter ser vivido na Paris da na segunda metade do século XIX, período conhecido como a Belle Époque. Para o essa turma da bela época, o melhor teria ser vivida em outro tempo mais antigo e assim sucessivamente...http://www.blogger.com/img/blank.gif

O insight de “Meia-Noite em Paris” é uma lição: a vida é sempre insatisfatória, independente de onde quando se viva. Então relaxe e esqueça esse negócio de pensar que “naquele tempo é que as coisas eram boas”. A felicidade está aqui e agora, basta desejá-la. O filme é otimismo puro, algo surpreendente na filmografia de Woody Allen, em que a ironia e o pessimismo geralmente dão o tom.

Um grande filme, sem sombra de dúvidas. E não se preocupe se você tem maior, menor ou nenhuma intimidade com os personagens de “Meia-Noite em Paris”. É claro um conhecimento mínimo que seja torna tudo mais legal, mas não é fundamental. Bacana mesmo é perceber para a centelha de genialidade espírito-filosófica contida nessa obra-prima de Woody Allen.

VEJA O TRAILER