quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um estranho no ninho


Fim de semana passado, por acaso acabei ouvindo, depois de muito tempo, “Tijolo na Vidraça”, uma coletânea de três CDs que reúnem 29 canções do cantor Marcelo Nova, tanto em carreira solo como frente à banda Camisa de Vênus. Pensei: “caramba, não se fazem mais bandas de rock como antigamente!”.

Baiano hoje quase sessentão, sempre teve uma carreira polêmica, o que lhe impediu de ter uma projeção maior na música nacional. Pra ajudar a sua fama de mau, foi parceiro de Raul Seixas, com quem fez shows e dividiu a gravação do último disco do ex-parceiro de Paulo Coelho, “A Panela do Diabo” (1989).

Embora tenha se tornado conhecido com o Camisa de Vênus na mesma época em que o rock brasileiro teve seu auge comercial nos anos 80 (quando surgiram bandas como Barão Vermelho, Blitz, Titãs, Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Havaí e afins), Marcelo Nova nunca se sentiu muito parte dessa turma. Foi e ainda é um estranho no ninho.

Formado em Salvador em 1980, o Camisa de Vênus tinha como objetivo maior esculhambar a cultura oficial de que "a Bahia é liiiinndaaa”, colorida. A banda cuspia na cara dos turistas o mundo underground baiano que fica escondido atrás de tanto axé, fitinhas do Senhor do Bonfim e trios elétricos. Logo nas primeiras apresentações o grupo atraiu o interesse da molecada de Salvador e provocou indignação dos conservadores que, com a boca cheia de acarajé, vociferavam toda a sua fúria contra músicas como "Meu Primo Zé", "Controle Total" e "Bete Morreu".

Tamanha polêmica extrapolou os limites da Bahia e a banda se mandou pra São Paulo lançar um disco por uma gravadora independente. Em meio às gravações, a Som Livre, pertencente à Rede Globo, interessou-se pela banda e arrastou o Camisa de Vênus para debaixo de suas asas. O único porém era quanto ao nome do grupo – afinal, em 1983, ninguém ousava falar abertamente sobre o nome e sobrenome das populares camisinhas de hoje. Acreditando que o nome Camisa de Vênus traria problemas junto à censura da época, a Som Livre insinuou uma mudança. Como proposta, Marcelo Nova retrucou, em tom de deboche, que o grupo então iria se chamar Capa de Pica. A resposta da gravadora veio duas horas depois: o Camisa de Vênus estava no olho da rua.

Entre polêmicas aqui e ali, problemas com a censura e discos retirados das lojas pela Polícia Federal, o negócio é que o Camisa de Vênus estreou com um álbum homônimo pela RGE [gravadora menor, também ligada ao grupo da Rede Globo!] em 1983. Alcançou o sucesso dois anos depois, com o segundo disco, Batalhões de Estranhos. Atingiu o auge em 1986 e lançou um álbum ao vivo, chamado Viva. Passou para a multinacional Warner e lançou em dois anos outros dois álbuns, entre eles o duplo Duplo Sentido. Logo depois, encerrou suas atividades. Já em 1994, a banda promoveu um retorno com o lançamento do ao vivo Plugado e, em 1996, reapareceu com novas músicas em Quem É Você?. Não tardou a sumir, para ressurgir mais uma vez no início de 2004, sem dois integrantes originais, para a gravação deste DVD ao vivo.

A justificativa da banda para o projeto do DVD convenceu. Afinal, era inadmissível que um dos mais autênticos representantes do rock nacional não tivesse um registro próprio em vídeo, enquanto muitas bandas medíocres de hoje – e com poucos meses na estrada – já contam seus DVDs, que para ter o espaço preenchido precisam de remixes, releituras e o escambau. O Camisa de Vênus poderia ainda na época optar por um Acústico MTV, mas isso não faria justiça à sua história. O negócio tinha que ser mesmo “ao vivo” e “elétrico”, com os amplificadores no volume máximo.

E o show não poderia ser mais simbólico. Não bastasse o lançamento do DVD estar nas mãos da mesma gravadora que renegara a banda lá no seu início, o vídeo foi gravado no palco do Festival de Verão de Salvador em 2004 [na própria "cidade do axé, na cidade do pavor" como registrado na música "Controle Total"], em meio a grupos de pagode, samba e pop medíocre.

Quem viu o grupo em ação sabe que o Camisa de Vênus ao vivo é uma máquina de triturar ouvidos. Tive a sorte de ver o grupo ao vivo em Toledo (!!!) no comecinho de 1997. Umas das três melhores horas de rock que já ouvi na vida. Em 2005, assisti também outro show de Marcelo Nova em Cascavel, em 2005. Tá certo, o show foi chato, o lugar e o público mauricinho não ajudavam. Na oportunidade também entrevistei o cantor. Procurei a entrevista para postar junto com este texto, mas ela se perdeu por aí, infelizmente. Ah, também pedi pra ele autografar o seu primeiro LP da carreira solo, pra surpresa dele: “onde você conseguiu isso rapaz!?”.

Hoje Marcelo Nova continua por aí, lançando discos que só seus fãs mais fervorosos se interessam em ouvir. Suas músicas, com exceção dos antigos sucessos, não fazem parte da programação das rádios. Mas o músico segue em frente, fazendo seus shows e dando muitas entrevistas. Quer polêmica? Declarações bombásticas? Comentários ácidos? Liga pro Marcelo que ele solta a língua! Hoje, tirando o Lobão, não sei se existe outro artista renomado da música que seja tão autêntico quanto ele.

Veja aí o que ele disse pro jornalista Vladimir Cunha, em entrevista em 2008 para a MTV: “Aí não… emo é foda. Esse negócio de emo me torra a porra do saco. Pega essas bandinhas aí… tudo com aquele cabelinho, aquele… aquele sebo no cabelo, aquela seborréia... ‘Levei um chifre’, ‘ai meu cu’, ‘ai não sei o quê’… Porra, isso não é rock, meu filho. Isso é uma porra de SERTANEJO DISFARÇADO. PUTAQUEOPARIU!”.

O Brasil geralmente é injusto com quem tem algo a dizer. Mas acho que Marcelo Nova não liga muito pra isso não. Deve seguir a máxima anárquica que ele mesmo ensinou pra todo mundo num clássico do Camisa de Vênus:

“Se você não ganhou nada, não tem nada pra perder. Então bota pra fudê!”.

Sábio Marcelo...

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