sábado, 26 de março de 2011

Nevilton: uma banda brasileira


Há duas semanas, recebi no meu programa de rádio (Garagem 95, que vai ao ar pela Difusora FM todos os sábados, das 18h00 às 20h00) a banda Nevilton. Ainda desconhecidos por aqui, esse trio é considerado uma das maiores revelações do rock brasileiro de 2010. Tanto é que a revista Rolling Stone considerou o disquinho de estreia do grupo o 4º melhor do ano passado e a faixa "O Morno", a segunda melhor música.

Para se ter ideia do peso dessa escolha da revista Rolling Stone, é como se fulano de tal fosse escolhido pela revista Veja como um dos políticos do ano. O que Veja representa para o povão de uma maneira geral, a Rolling Stone tem um peso igual para a música brasileira. E o que é mais surpreendente de tudo é que o Nevilton é aqui de Umuarama, cidade praticamente vizinha de Marechal Cândido Rondon.

Após a participação no Garagem 95, a banda Nevilton se apresentou em Toledo, onde concedeu uma nova e mais longa entrevista, que está disponibilizada logo abaixo.

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Nevilton: uma banda brasileira

“nossa cidade é tão pequena
e tão ingênua
estamos longe demais
das capitais”


Nos já distantes anos 80, Humberto Gessinger e sua banda Engenheiros do Havaí fizeram poesia sobre o drama que pode ser para um jovem viver afastado dos grandes centros urbanos, estando, portanto, distante das virtudes e pecados oferecidos pelas metrópoles.

O reclame foi registrado na faixa “Longe Demais das Capitais”, sendo o sujeito longínquo a cidade de Porto Alegre. A música pode até fazer sentido, se pensarmos que a capital gaúcha, de certo modo, não tem aquela grandiosidade toda de uma São Paulo da vida... Mas, em todo o caso, os versos de “Longe Demais das Capitais” nunca serviram tão bem como para descrever a epopeia da banda Nevilton.

Surgido em 2007, em pouco mais de três anos de atividade o grupo teve uma ascensão inimaginável para uma banda nascida em Umuarama, cidade localizada na região Noroeste do Paraná, interiorzão do Estado. Com cerca de 100 mil habitantes, a cidade está a cerca de 600 Km de Curitiba, tão distante da capital que é muito mais fácil e rápido chegar ao Paraguai pela Ponte Ayrton Senna, na cidade de Guaíra, viajando apenas 150 Km.

Sem qualquer tradição roqueira, Umuarama é regionalmente conhecida pelas suas festas de peões e de sertanejos universitários, tribos que têm muito mais a ver com a principal vocação econômica da cidade, a bovinocultura de corte. É desse cenário improvável que surgiu a principal revelação do rock nacional em 2010, que com apenas um EP com cinco músicas (“Pressuposto”, lançado em fevereiro do ano passado) recebeu elogios rasgados da crítica, fez aparições frequentes na MTV, conquistou lugar nos palcos dos principais festivais independentes do país e foi até mesmo foi escalada para abrir o recente show do Green Day em São Paulo. Como se não bastasse, teve coroada a trajetória do EP “Pressuposto” pela revista Rolling Stone, que elegeu o disquinho como o quarto melhor lançamento nacional de 2010 e a faixa “O Morno”, a segunda melhor música.

Formado por Nevilton (voz e guitarra), Lobão (baixo e backing vocals) e Chapolla (bateria e backing vocals), o grupo está preparando as malas para mudar-se para São Paulo. Sem pressa, mas confiando no próprio taco, o Nevilton leva na bagagem um disco novo já gravado, esperando apenas a melhor hora/proposta para lançá-lo. E, quem sabe, cumprir a missão da banda que, segundo eles afirmam na entrevista a seguir, “é não deixar o samba morrer”.

Estava nos planos da banda ter uma ascensão tão rápida a partir do lançamento do EP “Pressuposto”?
NEVILTON (N):
Todo o trabalho que a gente vai fazendo é sempre querendo cada vez mais repercussão e chegar mais longe. Mas, não tínhamos uma meta de ficar entre os melhores discos... O lance foi fazer com muito carinho para que se diferenciasse dos outros discos. O EP tem músicas legais, com uma textura legal. O pessoal viu que estávamos ralando mesmo para o disco sair. Aliado aos shows e muito trabalho, conseguimos ótimas repercussões, acima do que tínhamos esperado.

A banda ainda mora em Umuarama, mas está preparando a mudança pra São Paulo. É uma coisa meio louca isso que está acontecendo com o Nevilton, até porque Umuarama não tem nenhuma tradição roqueira...
(N):
Em Umuarama houve poucas bandas de rock. A banda que mais conseguiu repercussão, a Hipnoise, foi no final dos anos 90 e começo de 2000 e que era a banda que o Lobão tocava. Essa banda tocou muito na região, mas a ênfase era nos covers de bandas alternativas como Pixies, Weezer. Acho que isso foi parte do processo até que surgisse uma banda que fizesse um som autoral e que mergulhasse de cabeça no trabalho. Espero que o nosso trabalho, não só pra Umuarama, mas para outras cidades interioranas, que não têm essa cultura, que o nosso trabalho possa servir de exemplo para mais bandas de cidades menores trabalharem com garra e irem pra cima que as coisas vão acontecendo. É parte por parte, tijolo a tijolo.

Mudou alguma coisa pra banda em Umuarama ou impera a regra que santo de casa não faz milagre?
(N):
Rola muito disso de santo de casa não fazer milagre. Mas nossa preocupação não é fazer milagre em Umuarama, nem em Cianorte (cidade do baterista Chapolla). A gente continua fazendo um show ou outro lá. A repercussão junto às pessoas que sempre acompanharam o nosso trabalho não mudou. Acontece de ir em alguns lugares aleatórios e o pessoal diz que já te viu no jornal, na TV e que não imaginava isso quando a gente só tocava na garagem ou no bar lá da cidade. É legal ver como a abrangência aumenta até numa visão micro, uma visão local, na cidade.

Nessa época do ano em 2010, vocês estavam lançando o EP lá em Umuarama e meses depois estavam tocando pelo Brasil e inclusive abrindo um show para o Green Day em São Paulo. Como lidar com isso?
(N):
A gente também não sabia... A gente só vai fazendo e querendo fazer cada vez mais. Ano passado, janeiro, fevereiro foram meio parados pra gente. Mas ainda em 10 de fevereiro a gente lançou o disco e nisso já estávamos em São Paulo e saímos em turnê, que já vinha sendo planejada desde dezembro de 2009 junto com o pessoal do Fora do Eixo, que é uma plataforma que tem trabalhado com muitas bandas para aumentar as atividades culturais em vários pontos do país. Cada coisa que vai acontecendo a gente curte muito. Mas, vamos sempre devagar porque a gente sabe que nada vai ser pra sempre assim, com gostinho de novidade. Mas, olha o que a gente é? A gente não é nada ainda. Temos muito que fazer e essa é a motivação.

Quando vocês lançaram o disco e começaram a receber o retorno na forma de críticas positivas da imprensa, de pessoas interessadas no trabalho do Nevilton, como foi isso?
(N):
A triagem inicial foi ver os veículos onde as pessoas falam de música nova, descobrir uns programas bacanas de rádio... Mandamos o disco para vários lugares e acabou virando uma bola de neve. Alguns lugares-chave começam a falar e vários outros vão na onda mesmo, porque viram que saiu a resenha na Rolling Stone, que saiu na Noize e isso vai virando uma cauda longa, assim... num jeito inocente de falar.

Várias bandas têm surgido no Brasil fora do eixo de São Paulo, como Vanguart, o Macaco Bong, mas ainda assim são bandas centradas em capitais de seus Estados de origem. Mas, entre essas, o Nevilton é a que está realmente longe demais das capitais.
LOBÃO (L):
A gente tentou não se prender a esses conceitos. Mesmo no interior, se não tinha lugar pra tocar, a gente fez. Se o lugar pra tocar era longe e a van era muito cara, a gente foi de carro. A gente tinha um Uno, o saudoso Átila...
(N): Viajamos pra Palmas, no Tocantins, 2.300 km de Umuarama a Palmas, dois dias na estrada pra chegar lá e tocar com Pato Fu, Ratos de Porão... Depois saiu no Estado de Tocantins, talvez o jornal mais bacana de Tocantins, uma puta resenha legal dizendo que quem brilhou na noite foi o Nevilton... Algumas coisas assim que a gente viajou, tocou com garra e conseguiu uma repercussão legal. Isso abre portas para outros festivais chamarem...
(L): Vindo de uma cidade pequena, a gente teve que aprender tudo, desde tocar e produzir as músicas, administrar a banda, fazer as artes gráficas, mexer com as mídias sociais. Se a gente estivesse em uma cidade grande teríamos os amigos que fariam. Então, isso foi muito importante pra gente, que hoje consegue fazer sozinho o que uma equipe faria. Com esse know-how de fazer tudo, é possível otimizar a nossa profissão pra atingir o nosso objetivo com mais clareza.
(N): Do jeito que a gente está falando parece uma entrevista de negócios. Mas, é um negócio inteiramente punk, nós mesmos fazendo a história...

Vocês estão frequentemente tocando em São Paulo, onde tem incontáveis bandas batalhando um espaço pra tocar. Vocês foram bem recebidos no começo ou teve um certo bairrismo?
(L):
Não me lembro de ter sentido isso... Muito pelo contrário. Até por a gente ser do interior, rola um interesse maior... Fomos muito bem recebidos, ficamos na casa de bandas de lá, usamos equipamentos delas.

Antes de formar a banda, em 2006, Nevilton e Lobão foram morar um tempo em Los Angeles, nos Estados Unidos. Qual era a ideia de vocês quando se mudaram pra lá? Era aprender como funciona o mercado musical de lá ou o quê?
(L):
A ideia foi ficar fluente no inglês. E que bom que a gente conheceu a cultura norte-americana e o music business. Assim como a gente tem aqui os cursos do Senac, Sebrae, cursos de microempresas, eles têm monografias, livros sobre music business. Isso é uma coisa muito interessante! A gente trabalhou pra caramba também fora da música. Conseguimos ver o show business funcionando porque a gente também trabalhou em eventos. Então, esse negócio de ir pra lá aprender inglês acabou refletindo diretamente na nossa questão musical. Trabalhamos em estruturas de shows enormes, como do Guns n’ Roses...

Como vocês foram trabalhar num show do Guns n’ Roses?
(L):
O nosso emprego era ser segurança de eventos.

O Nevilton de segurança? (risos)
(L):
(risos) O Nevilton botava uma ordem na casa que você tinha que ver! Deixava um costeletão e uma cara de mau! (risos). A gente trabalhou tanto na frente recepcionando o público como no backstage, toda a movimentação de iluminação, estrutura física, coisa louca cara!
(N): Eu tava sempre muito bem armado com um rádio amador e um farolete. Eu podia chamar reforço a qualquer hora!
(L): A gente trabalhou no Oscar também! Vimos vários tipos de eventos, de vários níveis diferentes e percebemos que o negócio é ser profissional. Trabalhando profissionalmente, não tem como dar errado.

E o primeiro álbum, em que pé está o novo trabalho?
(N):
Está pronto.
(L): Está gravado, masterizado, capa feita. Só falta resolver o lançamento.

Alguma gravadora ou selo interessado?
(L):
Propostas existem. Tem gente que procura, quer saber, mas não desenvolve... A gente quer lançar legal, com boa distribuição... Não adianta fechar qualquer negócio só pra lançar.
(N): Por isso que ele está pronto há algum tempo e a gente não lançou. Mais cedo ou mais tarde a gente lança. Estamos fazendo bastante shows, tendo boa repercussão, temos um clip pronto pra lançar logo e estamos em pré-produção de um outro clip. Tem muito o que rolar, então não há pressa. E mesmo que o disco seja lançado só por nós, vamos tomar todos os cuidados para que seja divulgado de uma maneira legal e que consiga chegar a todos os lugares. A gente vai fazer bonito...

Abrir o show do Green Day ajudou bastante na divulgação da banda?
(L):
Tocar pra 30 mil pessoas e abrir o show do Green Day foi bastante emocionante. E a repercussão foi boa. Os fãs do Green Day que viram a gente, alguns adoraram outros não. Mas mesmo quando rolou papo negativo na internet, foi bom porque tinha gente que ia lá e defendia. É legal quando as coisas saem do nosso poder e a gente não controla mais. Dá um pouco de medo porque temos que pensar mais no que estamos fazendo. Mas é legal saber que tem gente que hoje conhece a nossa banda por causa dessa aparição no show do Green Day.

As influências da banda são diversas...
(N):
Ainda mais agora, com o Chapolla na banda, a salada está completa...
CHAPOLA: Eu tenho muito da escola do hardcore, mas também muita coisa de rock, como Led Zeppelin, Queens of The Stone Age, Foo Fighters... E depois que eu entrei na banda comecei a ouvir mais coisas brasileiras. Estou ouvindo até Alceu Valença!
(L): Eu tive uma formação alternativa dos anos 80, 90: Superchunk, Pixies, Pearl Jam... Mas eu tenho muito dos anos 50 também e eu tento mixar isso.
(N): O Lobão me fez gostar de Pink Floyd também. A gente gosta também de jazz e um monte de bebop estranho... Eu gosto de muita música brasileira, principalmente falando a respeito de letras. Temos ótimos letristas no Brasil como Belchior, Fagner, Chico Buarque, Zé Rodriguez, Zé Geraldo, Alceu Valença. E gosto também de muito rock and roll, da guitarra do Jimmy Page, Jimi Hendrix, Clapton, B. B. King... Ao mesmo tempo gosto desde de Tom Jobim ao Pavement, as guitarras malucas dos Smiths, Modest Mouse, Cake... A gente sempre está escutando várias coisas...

Hoje, então, vocês já conseguem definir que tipo de banda é a Nevilton, ou vocês ainda estão descobrindo isso? Que rumos musicais a banda deve seguir no futuro?
(N):
A definição de gênero seria uma banda brasileira. Talvez uma banda brasileira de rock... Com relação ao futuro da banda, talvez a resposta seja a mesma se você tivesse perguntado isso pra mim há três anos ou um ano atrás: é trabalhar cada vez mais e tentar fazer cada vez melhor as coisas pra não decepcionar a galera que já nos acompanha e, ao mesmo tempo, cativar mais pessoas para chegar sempre em mais lugares. A missão é não deixar o samba morrer!

terça-feira, 1 de março de 2011

Entrevista: jornalista André Trigueiro, da Globo News


Entrevista que realizei com o jornalista André Trigueiro, da Globo News, do Rio de Janeiro. Ela está publicada na última edição da revista Amigos da Natureza. Na conversa, ele fala sobre o trabalho dele como jornalista que dedica grande parte de seu trabalho para as questões ambientais.

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“O discurso desenvolvimentista dissociado da sustentabilidade caducou no século passado”

Há quase duas décadas, o jornalista André Trigueiro vem dedicando grande parte do seu trabalho a temas ligados ao meio ambiente. Repórter e apresentador do “Jornal das Dez” e editor-chefe do programa "Cidades e Soluções", ambos da Globo News, Trigueiro também é professor do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ e autor dos livros “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação” e “Espiritismo e Ecologia”, além de também ter sido coordenador editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no Século XXI”.

Nesta entrevista, o jornalista – que, em 2008, recebeu a Medalha de Mérito Pedro Ernesto, a mais importante comenda do município do Rio de Janeiro – critica a forma alarmista como a mídia muitas vezes divulga os assuntos ligados ao meio ambiente, defende a necessidade de superar o atual modelo de desenvolvimento e explica que religião e ecologia podem andar juntas.


Quando e por que o senhor começou a se dedicar ao jornalismo ambiental?
A cobertura da conferência internacional da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Rio-92, foi muito marcante para mim. Ficou muito claro que esse era um assunto inevitável, do momento. Eu me senti completamente inebriado. Fui buscar formação fora do jornalismo, em grupos de estudos, em livros para entender e reportar melhor aquilo que eu estava julgando entender. Isso num momento em que ainda havia preconceito sobre o tema, que era um assunto periférico. Com muita alegria, nessas quase duas décadas eu tenho acompanhado a mudança muito clara na forma como assunto é percebido pela mídia. Hoje, esse assunto, por conveniência ou convicção, se tornou importante. Agora, eu não me sinto muito confortável no rótulo de jornalista ambiental. Me sinto mais confortável me assumindo como jornalista interessado nos assuntos da sustentabilidade. Também não sou defensor de uma editoria de meio ambiente na atividade jornalística. Eu prefiro entender que os assuntos da sustentabilidade alcançam todas as editorias.

A imprensa brasileira ainda está aprendendo como trabalhar os temas do meio ambiente?
É um processo. A gente já esteve mais atrasado, com uma visão mais provinciana, até ultrapassada eu diria. Uma dificuldade de entender que a dimensão ambiental vai além da proteção dos recursos naturais. Esse é o ponto de partida, mas transcende e vai na direção dos comportamentos, estilos de vida, padrões de consumo, modelos de desenvolvimento e de civilização. O olhar da gente é fragmentado culturalmente. Na escola, temos as disciplinas segmentadas e, na faculdade, isso se agrava. As áreas do saber e do conhecimento são fracionadas e muito autossuficientes. Isso não é pensar sistemicamente. Essa é uma das causas dessa crise ambiental sem precedentes. Esse olhar fragmentado da realidade. E a realidade não é fragmentada.

Cada vez mais a mídia tem tratado do meio ambiente. Mas, em muitos casos, o faz de forma alarmista, impondo o medo em relação ao futuro. Essa é a melhor maneira de informar as pessoas sobre as questões do meio ambiente?
Sensacionalismo não combina com credibilidade. Um dos assuntos fundamentais na minha profissão é a calibragem que precisa existir entre como reportar a crise sem esvaziar a perspectiva da mudança. As pessoas precisam se sentir não apenas como parte do problema, mas também como parte da solução. Como você salientou, há um risco de causar uma prostração nas pessoas, pois elas acabam desestimuladas em relação ao futuro. Quando você perde a esperança, você perde tudo. Isso é muito sério porque o jornalismo não pode ser pensado apenas em termos lógicos e racionais. O jornalismo tem uma dimensão emocional, a qual é pouco trabalhada. Uma das questões que precisam ser refletidas no jornalismo no século XXI é justamente o cuidado com a forma como se reportam certos assuntos. É preciso ter a ética do cuidado. Quanto mais sensacionalista for uma mídia na cobertura dos assuntos ambientais, menos credibilidade ela tem. O recurso do jornalismo pobre é a apelação. O desafio que está colocado para o profissional de comunicação é ser claro o suficiente para demonstrar para as pessoas o senso de urgência, mostrar que não basta mudar, tem que mudar rápido.

Nos debates sobre o meio ambiente existe, em muitos momentos, uma polarização entre o homem e a natureza. Passar a perceber o homem como parte da natureza é um dos desafios atuais?
Temos que entender o universo como um conjunto de fenômenos interligados, interdependentes e que interagem o tempo todo. O homem nunca se separou do meio ambiente e essa é uma ilusão que alcançou significado e projeção a partir do desenvolvimento científico. A ciência é uma ferramenta muito importante de percepção da realidade. Mas a metodologia científica, a forma de explicar a vida e o universo nos projetou numa direção equivocada. A humanidade não pode se perceber dissociada do meio em que está inserida. O preço que se paga por essa falsa dualidade é enorme. Não podemos colocar meio ambiente e desenvolvimento em lados opostos. Quando falamos de mundo sustentável, estamos falando de novos valores, de uma nova cultura. É um novo olhar sobre o meio que nos cerca. Por exemplo, o lixo que você produz em casa não é assunto da prefeitura somente. É assunto teu! E a Política Nacional de Resíduos Sólidos, recém aprovada depois de tramitar 20 anos no Congresso, estabeleceu a verdade. Lixo não é assunto só de quem tem o ônus de coletar os resíduos na rua. É assunto de quem gera e de quem fabrica. Ou seja, responsabilidades compartilhadas. Essa é uma visão moderna. Eu diria que hoje estamos melhores do que já estivemos, mas ainda tem muitos degraus para subir.

O caráter econômico parece sempre ser o norte principal das ações políticas e empresariais. É possível buscar o desenvolvimento sustentável sem que ocorram perdas econômicas?
Não sei e não sei se alguém sabe. Nós estamos testando o desenvolvimento sustentável. Isso significa que estamos tentando conjugar diversos interesses em uma mesma bússola que aponta a mesma direção. O desenvolvimento sustentável é aquele que atende ao interesse econômico, é socialmente responsável e tem harmonia na relação com o meio natural. Nós estamos experimentando isso. Agora, se esse é o único caminho, eu não sei. Eu tenho muito interesse em acompanhar debates que não usam apenas o desenvolvimento sustentável como única saída, mas que falam, por exemplo, de retirada sustentável, de decrescimento. Teoricamente, é possível explicar que o crescimento da economia nem sempre gera benefício social e ambiental. Então, nem sempre o crescimento deveria ser a meta, por mais surpreendente que isso possa parecer. Essa perseguição implacável do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) tem sido muito criticada. É um momento muito interessante que estamos testemunhando. Até aqui, o desenvolvimento sustentável soa como a ideia mais inspirada. Mas, daí afirmar categoricamente que essa é a solução, eu não tenho motivos para endossar isso. É preciso ter muita humildade para reconhecermos que não houve tempo suficiente para saber qual a melhor maneira de promover a mudança.

O senhor é autor do livro “Espiritismo e Ecologia”. Trabalhar juntos o lado espiritual e o meio ambiente é uma proposta bastante interessante.
Todas as grandes tradições religiosas se preocupam em explicar essa crise. No site do Dalai Lama, o assunto que mais reúne textos é justamente a sustentabilidade. Há dois anos, o Papa Bento XVI elevou à categoria de pecado o dano ambiental. O tema da Campanha da Fraternidade dos católicos deste ano é “florestas”, em sintonia com a ONU que elegeu este o Ano Internacional das Florestas. Aqui no Brasil, as religiões afro-brasileiras dependem de recursos da natureza para sobreviverem. Por sua vez, a forma como se estruturou o espiritismo de Allan Kardec 150 anos atrás tem várias questões muito modernas no sentido de defender pontos de vista que são caros aos ecologistas e ambientalistas. Existe toda uma teologia ambiental que diversas tradições estão construindo ou ajustando. As informações já estão nas escrituras ou nos textos referenciais dessas doutrinas. Só que rabinos, padres, pastores, pensadores espíritas, lideranças budistas estão oxigenando esses textos de forma a emprestar sentido para um novo contexto. Eu sou espírita e tive muito prazer em tentar identificar esses elementos comuns entre a doutrina espírita e o pensamento ecológico.

Buscar a mudança do atual modo de vida é o grande desafio da humanidade no século XXI?
A mudança virá e isso já está acontecendo em escala global. Para mim não faz sentido acreditar em outra tese que não a da mudança inevitável. Pelo menos estamos percebendo um cuidado em não replicar o nível de destruição da natureza que a gente vem testemunhando desde o pós-Guerra. Esse discurso “desenvolvimentista” dissociado da sustentabilidade caducou no século passado. A mudança de cultura está sendo muito bem semeada e isso vai eclodir de forma irreversível. Se isso vai levar 50 ou 100 anos faz muita diferença. Nem nossos avós e nem nossos pais se depararam com a situação que estamos vivendo hoje no seguinte sentido. As decisões que tomarmos coletivamente nos próximos anos será absolutamente determinante na qualidade de vida das gerações futuras. A pergunta é: quanto tempo levaremos, e não temos muito tempo é bom frisar, para que coletivamente a escolha que a nossa civilização faz seja na direção certa? A direção certa é a que repensar os valores da sociedade de consumo, que não apregoa a opulência como condição do sucesso, que estabelece critérios no uso dos recursos naturais.