A vitória da candidata a presidente
Dilma no último domingo (26) fez surgir nas redes sociais uma corrente de
preconceito de muitos eleitores das regiões Sudeste e Sul do Brasil. Para estes
incautos, basta viver no Norte e Nordeste do Brasil para ser pobre, burro, ignorante,
analfabeto, preguiçoso e outras coisas que nem convém aqui registrar. Junto a
isso veio de carona o discurso reacionário de que é preciso separar o Sul e
Sudeste das demais regiões porque sustentar vagabundo não dá mais!
Confesso que também já tive
ímpetos revolucionários de separar nós que aqui vivemos na parte meridional do
mapa dos demais. Isso acontecia quando via a onipresença do grupo É o Tchan e
semelhantes na televisão nas tardes de domingo. Mesmo hoje quando ouço a
Cláudia Leitte ou o Calypso tocar no rádio essa vontade de querer fatiar o país
brota no meu peito. Mas aí eu lembro que nós, aqui da parte de baixo, também de
tempos em tempos “brindamos” o país com artistas do naipe de Luan Santana, Gusttavo
Lima e Michel Teló. Assim eu me acalmo e reconheço que há coisas boas e ruins
espalhadas em todas as regiões do país, por isso separar não é o caminho.
Brincadeiras à parte, fato é que história
do nosso país revela que o desejo de fragmentação do Brasil em países menores
já existia antes mesmo da independência, em 1822. Ainda no final do século
XVIII, a Inconfidência Mineira pode ser um exemplo de movimento semelhante.
Depois, quando o Brasil-Colônia se aproximava cada vez mais do momento de
exigir a sua independência de Portugal, a questão da unidade territorial já era
uma grande preocupação.
Dez anos antes do grito de
“independência ou morte” dado por D. Pedro I às margens do Rio Ipiranga, José
Bonifácio, que entrou para a história como o patriarca da independência, já
previa que “amalgamação muito difícil será a liga de tanto metal heterogêneo,
(...) em um corpo sólido e político” – uma alusão às gritantes diferenças
econômicas, culturais e políticas que já havia entre as gigantescas regiões do
Brasil.
Verdade é que muitas vezes a
região Nordeste tentou se separar do Brasil, porém a Coroa estabelecida no Rio
de Janeiro impediu.
Quase às vésperas da nossa independência,
em 1817 eclodiu uma revolta em Recife. A população estava inconformada com a
pequena autonomia política da província e a quantidade de impostos que
precisava enviar para a corte do Rio de Janeiro e, em contrapartida, receber
tão poucos investimentos. A insurreição foi violentamente reprimida pelo rei
Dom João VI.
Depois, separado Brasil de
Portugal, Dom Pedro I teve que agir energicamente para manter unido o novo
país, já que a princípio apenas as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais apoiaram e aderiram ao novo Império. Bahia, Maranhão, Piauí, Pará
e Amazonas se insurgiram contra a proclamação da Independência, pois a
população que lá vivia julgava muito mais interessante o Brasil continuar sendo
colônia de Portugal. Em 1824, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Rio Grande
do Norte uniram-se na Confederação do Equador, que buscava também a separação
daquela região do recém-criado país.
Esses movimentos foram sempre
brutalmente contidos por D. Pedro I, o que não aconteceu com o Uruguai, que
conseguiu sua independência do Brasil em 1828. Tal fato inspirou ainda os
insurgentes da Revolução Farroupilha (1835-1845), que por uma década lutaram
pela criação da República Rio-Grandense. Além dessas, outras revoltas se
seguiram ao longo do século XIX, todas derrotadas pelo governo.
Fato é que o pau comeu solto e
muito sangue foi derramado para que o Brasil se construísse da maneira que é
hoje. E tanta determinação do governo em manter as províncias unidas não foi à
toa. Todas as partes do Brasil tiveram, têm e terão sempre importância no desenvolvimento
do país. Tolice é pensar que o Sul e Sudeste seriam melhores sem as demais
regiões.
O antropólogo Gilberto Freyre, no
famoso livro “Casa-Grande & Senzala” (1933), já defendia que a riqueza do
país está na miscigenação das raças e da cultura do branco, do negro e do
índio. Nossa grandeza territorial é outra virtude que não se pode negar.
Compreensível que na ressaca eleitoral existam desabafos motivados mais pela
emoção do que pela razão. Mas extravazada a decepção de não ter seu candidato eleito,
é bom lembrar que é na soma e não na divisão que somos um país forte.
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