terça-feira, 29 de novembro de 2011

As barbas do imperador


Semanas atrás, comentei aqui no Blog do Viteck a respeito do acervo da Biblioteca Cidadã Alice Weirich, no bairro São Lucas, aqui em Marechal Cândido Rondon. Inaugurado este ano, o espaço possui ainda um acervo modesto, mas com títulos muito interessantes nas mais diversas áreas.

E um dos “tesouros” da biblioteca é o livro “As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos”, da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. Já havia lido recentemente outro livro dela, chamado “O Sol do Brasil”, no qual ela escreveu – em um texto intenso e denso – sobre a Missão Francesa, grupo de pintores que desembarcou no Brasil no início do século XIX e que retratou a vida na corte e a natureza exótica do nosso país sob a perspectiva do olhar europeu.

Em “As Barbas do Imperador”, publicado em 2008 (Editora Companhia das Letras, 624 páginas), Schwarcz escreve uma biografia do segundo e último rei do Brasil. Tema por demais esmiuçado já em tantos livros escritos sobre D. Pedro II em mais de um século, o interesse da autora nessa biografia é contar a vida do imperador, principalmente, através do imaginário monárquico da época, “percebido justamente por meio da análise de rituais, costumes e tradição”, relata Schwarcz.

E é a própria autora que instiga o interesse do leitor a respeito da vida de D. Pedro II que “de órfão da nação se transforma em rei majéstico; de imperador tropical e mecenas do movimento romântico vira rei cidadão, para finalmente imortalizar-se no mártir exilado e em um mito depois da morte, com vistas não a recuperar tanto a sua história, mas antes sua memória, ou melhor, a seleção de determinadas memórias nacionais”.

D. Pedro II reinou no Brasil de 1840 a 1859. Órfão de mãe, o pequeno Pedro – com apenas cinco anos - foi deixado no Brasil pelo pai D. Pedro I, que voltou a Portugal nove anos depois de ter proclamado a independência do Brasil. Aos 15 anos, naquele que ficou conhecido como golpe da maioridade, D. Pedro II assumiu o trono em um período turbulento, em que esforços contínuos eram necessários para evitar a desfragmentação territorial diante de conflitos como a Revolução Farroupilha.

O Brasil, na época, era uma monarquia rodeada por repúblicas latinas, recém emancipadas da Espanha. Aliás, o Brasil foi o único país das Américas que se transformou em monarquia após a independência. Então a monarquia já sendo associada a uma instituição ultrapassada, ao longo de sua vida D. Pedro II se esforçou para vender ao mundo a imagem de um Brasil moderno, ao mesmo tempo que enaltecia aspectos de um império exótico. Exemplo disso foi o enaltecimento da figura do índio como símbolo do Brasil, assim como o café é o fumo, produtos de exportação do país.

O imperador também incentivou a pesquisa histórica, a educação e as artes, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Imperial de Belas-Artes e o Colégio Pedro II. D. Pedro II sempre se esforçou por associar a sua imagem a de um homem culto e estudioso, o que o levou a arroubos de imodéstia, como quando afirmou que a “ciência sou eu”. Mas, em um reino formado em sua grande maioria por analfabetos, a erudição de D. Pedro II era algo bastante singular, ainda mais se comparado ao pai, que entrou para a história como alguém mais interessado nas batalhas e nas mulheres do que nos livros.

Em “As Barbas do Imperador”, Schwarcz descreve ainda como era ser nobre no Brasil, as festas populares, relata a quase obsessão de D. Pedro II em derrubar do poder Solano Lopez durante a truculenta Guerra do Paraguai (1864-1870). A autora também destaca as três viagens que o imperador realizou ao redor do mundo, onde conheceu os Estados Unidos, a Europa e o Egito, entre outras regiões do globo.

E, como não poderia deixar de lado, a autoria vai a fundo na questão da escravidão, que era praticamente o modo de trabalho responsável pela produção das riquezas do Brasil, mas ao mesmo tempo era motivo de repulsa ao país em nações mais avançadas, que combatiam a escravidão. Curioso notar que, embora se colocasse como um homem moderno, D. Pedro II pouco fez de fato para acabar com o regime escravagista. Quem o fez foi a sua filha, princesa Isabel, que em 1888 assinou a Lei Áurea.

A alforria concedida sem qualquer direito de indenização aos donos de escravos foi o catalisador do golpe que derrubou a monarquia e implantou a república no país, em 1889. É bem verdade que os debates entre republicanos e monarquias já se estendia há décadas. Mas, com o avançar da idade de D. Pedro II, havia uma espécie de acordo ou sentimento de que a república seria implantada tão logo ocorresse a morte do monarca. Mas isso mudou, com a Lei Áurea.

Proclamada a república em 15 de novembro de 1889, dois dias depois o Imperador e sua família eram banidos do Brasil. Dois anos mais tarde, o imperador morreria em Paris, onde viveu uma vida modesta sustentado por doações de amigos e tendo como únicos bens uma edição original de um livro de Camões e um travesseiro cheio de terra do Brasil. Situação que ao longo dos anos só aumentou o mito do imperador, que logo após ser deposto recusou uma indenização proposta pelo novo governo republicano, no valor de 5 mil contos de réis, o equivalente hoje a cerca de R$ 2 bilhões.

Aliás, é na guerra entre monarquistas e republicanos que o livro de Schwarcz mostra-se mais intenso. Na guerra pública através das revistas da época, republicanos caricaturavam D. Pedro II como um senhor velho, com a sua longa barba branca, que só lhe aumentava a aparência de velho. Daí a associar a figura do imperador com o modelo antiquado da monarquia foi um simples passo dado pelos republicanos.

Interessantíssima é a reabilitação histórica do imperador no início do século XX, que tem como melhor exemplo Rui Barbosa, autor da lei que bania o imperador do Brasil e que, anos depois era um ferrenho defensor de que os restos, mortais de D. Pedro II, hoje enterrados em Petrópolis (RJ), fossem repatriados, diante da importância que o imperador teve para a história do país.

Ler “As Barbas do Imperador” é percorrer um período em que não só o Brasil, mas o mundo ocidental como um todo estava passando por um rápido processo de transformação. E é interessante perceber como a personalidade máxima do país se comportava em meio a essas mudanças. De certo, um homem de mil faces que jamais foi unanimidade, seja durante o reinado ou após a morte. E é esse homem, “despido” de sua coroa e dos demais símbolos da monarquia que Schwarcz nos revela nesse livro tão instigante.

Um comentário: