Que estas são épocas de vacas magras para o rock nacional
ninguém duvida. Em um mercado dominado por duplas sertanejas, funkers e outros
gêneros musicais que eu nem saberia nominar, o roqueiro é ser estranho, não
mais bem-vindo nas ondas de rádio e menos ainda na televisão. Há quem vai dizer
que “surgiram umas bandas legais no The Voice”, o que não vem ao caso, porque
quem tenta entrar no mercado musical se sujeitando à aprovação da Claudia
Leitte, Daniel, Carlinhos Brown e Lulu Santos é desde o princípio um caso
perdido e merece o fracasso.
Pois bem, neste tal segmento que não se renova, se não fosse
por artistas já medalhões do gênero, 2014 seria um ano perdido para o rock brasileiro.
Skank, Pitty, Titãs e Raimundos lançaram material inédito e deram um gás a
mais, mesmo sem terem tido o mesmo sucesso de outros tempos. E agora junta-se a
essa turma de heróis do rock nacional a Cachorro Grande, também já macaco velho
na cena musical brasileira, que acaba de lançar “Costa do Marfim”, o seu sétimo
disco.
Com praticamente 15 anos de estrada, o quinteto gaúcho
radicado em São Paulo consagrou-se com seu rock retrô inspirado em nomes
clássicos como Rolling Stones, Beatles, The Who e afins. Junto às boas
influências, contou muito para o reconhecimento da banda as apresentações ao
vivo, principalmente no início da carreia, quando a ideia era quebrar tudo e
botar a casa abaixo.
Passados os anos, os caras amadureceram, emplacaram música
em novela, adotaram uma atitude mais Mick Jagger e menos Keith Richards no
palco e tudo bem: a carreira seguiu. Contudo, quando chegou a hora de gravar o
disco “Costa do Marfim” a Cachorro Grande velha de guerra resolveu se
reinventar. Aparou as unhas, lustrou o pelo, pôs fitinha no pescoço e saiu
abanando o rabo para outras influências que não costumavam estar presentes nos
seus trabalhos anteriores.
Com a ajuda do produtor Edu K (nome conhecido do underground
brasileiro devido à sua antiga banda DeFalla), a Cachorro Grande deu uma
revisitada nos sons setentistas de gente como os alemães robóticos do
Kraftwerk, uma passada na cena inglesa oitentista de Manchester de nomes como
Stone Roses e Happy Mondays, cresceu o ouvido pra cima do Primal Scream e
também não dispensou uma olhada atenta ao rock dos anos 2000, com reverências
ao pessoal do Kasabian e semelhantes. O bastante para garantir significativas
mudanças artísticas na banda? Não.
Ao bem da verdade, fato é que tirando uns arranjos inéditos
para o som do grupo, umas firulas eletrônicas aqui e ali, a Cachorro Grande que
ouvimos em “Costa do Marfim” se diferencia muito pouco do que ela fez em
trabalhos anteriores. O som típico da banda está ali, só que lambuzado com
referências que sugerem uma música mais moderna. Na essência, é tudo como já
ouvimos antes.
A exceção fica por conta de “Nós vamos fazer você se ligar”,
segunda faixa do disco. Uma composição muito além do trivial para os padrões da
Cachorro Grande. São 11 minutos da mais pura viagem, barulhinhos esquisitos,
sendo a tônica os sons graves que passam pelo ouvido para pipocarem dentro da
cabeça fazendo realmente a gente se ligar. A música é o grande trunfo do disco
“Costa do Marfim” e ao vivo deve ficar uma maravilha ainda maior.
Mas é muito pouco para um disco sobre o qual se criou tanta
expectativa. Está longe de alcançar, por exemplo, “Pista Livre”, o melhor disco
da carreira. Em favor da banda, repito, está “Nós vamos fazer você se ligar”, a
chave que pode ter aberto as portas para novos sons da Cachorro Grande daqui
para diante, cada vez mais malucos. Assim esperamos
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ENTREVISTA EXCLUSIVA
COM BETO BRUNO:
“A nossa obsessão é
pela música e não pelo sucesso”
Durante a recente passagem da Cachorro Grande por Santa
Helena, onde fez show no dia 27 de setembro, estive por lá e conversei com o
vocalista Beto Bruno sobre o disco “Costa do Marfim”. Como a banda definiu,
aquele seria o último show da antiga fase da banda. A nova foi aberta no dia 09
de outubro, em Porto Alegre, no show de estreia do Costa do Marfim.
Vocês estarão com um
novo show, onde pretendem apresentar as músicas novas de uma forma diferente
para a Cachorro Grande, com sons pré-gravados, imagens no telão acompanhando a
música. Como está a preparação para isso tudo?
BETO BRUNO: Pra levar
pro palco é um pouco mais complicado. Então vamos separar no show as músicas do
“Costa do Marfim” do resto do repertório antigo. Nós vamos abrir com o novo na íntegra e
depois segue o bailinho com as músicas mais importantes da carreira. A maior
preocupação é conseguir tocar com as trilhas pré-gravadas, alguns overdubs de
teclado e de efeitos também e cada música vai ter uma projeção diferente. Neste
disco a grande diferença é isso. Nos outros a gente entrava no estúdio pra
gravar com todos os arranjos pré-definidos e nesse, nós não ensaiamos. Foi até
uma exigência do Edu K, que produziu e preferiu que a gente criasse os arranjos
durante a gravação pra poder pirar a cabeça mesmo e isso resultou nessas
músicas enormes e mais chapadas. E acho que foi nosso melhor resultado em
estúdio em toda a carreira.
Vocês têm falado
muito sobre a importância do Edu K para a criação deste novo disco. Qual foi o
papel dele?
BETO BRUNO: Há
muito tempo a gente queria... Não mudar o som, porque ainda é Cachorro Grande,
mas queria acrescentar coisas mais contemporâneas que a gente gosta, mas só não
tínhamos propriedade pra isso. Acho que agora foi a hora certa com a pessoa
certa que é o Edu K, que sabe o que a gente quer. Quando ele recebeu as demos,
ele já sabia o que poderia fazer com aquilo. Encorajar também foi uma das
virtudes dele. A gente sempre produziu os discos anteriores com outros
produtores e nunca deixamos alguém meter tanto a mão quanto com o Edu K, que
simplesmente estava dentro da banda. Perfeito, genial ele é.
Por que “Costa do
Marfim”?
BETO BRUNO: Pergunta
pro comédia do Rodolfo (Kruger, baixista). Rodolfo, responde essa aqui!
RODOLFO KRUGER: Ficamos
dois meses lá na Costa do Marfim com o Edu K. Todas as bandas vão gravar em
Abbey Road, em Nova York, aquela coisa clichê do rock. A gente resolveu chutar
o balde.
O último disco até
então era o “Baixo Augusta” (de 2011), uma espécie de homenagem ao local onde a
banda vive em São Paulo, enfim, um disco com um ar caseiro com os sons típicos
da Cachorro Grande. Agora, com “Costa do Marfim”, com a ideia de tentar mudar o
som, vocês saíram do conforto do lar e foram gravar o disco lá do outro lado do
mundo. Acho que a distância geográfica
entre o Baixo Augusta e a Costa do Marfim meio que reflete ou define a distância
artística que vocês buscaram criar entre estes dois discos.
BETO BRUNO: Esse novo
disco é mais universal... Ele não é rock regional, é um disco mais aberto para
referências do mundo inteiro... Então, também isso que tu falou. Muito bem
sacado. Obrigado! Vou usar isso nas próximas entrevistas...
Essa decisão de
buscar algo diferente, foi uma decisão motivada mais por questões comerciais ou
artística mesmo?
BETO BRUNO: Foi
uma motivação pelo lado criativo e não comercial. Até porque se fosse questão
de mercado a gente não iria abrir o disco com uma música de 11 minutos. A nossa
obsessão é pela música e não pelo sucesso.
Não é novidade que as
coisas andam difíceis para a turma do rock nacional em termos de público e
apoio das rádios. Parece que foi criado uma lacuna no estilo nos últimos anos.
Como vocês fazem para sobreviver no mercado?
BETO BRUNO: A
gente tenta fazer um show melhor que o outro, independente de onde estiver e
para quantas pessoas estiverem assistindo pra poder sempre voltar. Também pensamos
sempre em fazer, a cada dois anos, um disco melhor que o outro. O mercado é
totalmente desfavorável pro rock and roll e pra nós, que dentre as bandas de
rock não é das mais populares. Essa lacuna que você estava falando é porque a
última geração do rock foi um pouco vergonhosa e meio que ridicularizou a
classe roqueira. Eu fico feliz por este ano ter saído quatro discos
interessantes antes do nosso, que é o da Nação Zumbi, da Pitty, do Skank e dos
Titãs, e o nosso veio logo em seguida. São cinco discos de rock que vieram pra
acabar com aquela geração perdida e pra ver se bota o rock de novo nos
holofotes. Se não botar vamos continuar tentando fazer um show melhor que o
outro e um disco melhor que outro pra sempre.
No rock nacional
sempre houve diferença entre a aprovação da crítica e do público. Os
Engenheiros do Havaii são um bom exemplo, sempre foram adorados pelo público e
massacrados pela crítica. A crítica está babando no disco de vocês. Isso
assusta vocês em relação à recepção dos fãs, do público?
Assusta um pouco porque eles (a crítrica) falam bem dos Autoramas, que tocam pra 200 pessoas, e
falam mal do J Quest que toca para 4 mil pessoas todo fim de semana. Então dá
um certo medo, sim. Mas a gente tem que
arriscar pra continuar crescendo musicalmente. E eu acredito que nosso público
também cresceu junto com a nossa trajetória ao longo do tempo. Pode assustar alguns mais caretas, mas quem
tem a mente aberta vai entrar de cabeça nesse disco.
Tem fãs que até hoje
esperam uma nova “Sinceramente”, mas não vão encontrar nesse disco.
Não. Mas, depois de tantos anos com a Cachorro Grande a
coisa que eu mais me orgulho é desse novo disco. Dá vontade de sair com esse
disco pendurado no pescoço por aí dizendo “fui eu que fiz”!
É meio normal o cara
falar sempre que o novo disco é o melhor...
Nunca vi ninguém dar entrevista e falar “é, o outro disco é
melhor...” (risos). Acho que os
outros discos, por mais que tenham evoluído, parecem ser uma continuação do
outro e esse vai por um caminho diferente, que a gente gosta mais.
Pode-se dizer que foi
uma porta que se abriu para a Cachorro Grande fazer discos cada vez mais doidos?
Até porque em “Costa do Marfim” o grupo avançou em algumas coisas, mas por
outro lado ficou com um pé atrás, com coisas típicas da banda...
Concordo contigo plenamente. Eu nunca mais vou gravar um
disco nos antigos moldes. Depois de ter experimentado isso no estúdio, vou
querer andar nesse brinquedo muitas vezes.