quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Quem sabe faz ao vivo e quebra tudo no final


Eu pretendia não voltar por um bom tempo ao assunto, mas já que estamos nesta semana de Rock in Rio e o negócio é quente, então vale a pena dar uma esticada no tema.

No sábado passado (24), relembrando, o disco “Nevermind” do Nirvana completou 20 anos e para comemorar a data e arrancar mais alguns milhões de dólares dos fãs (sim, eu também caí no golpe...), também foi lançado um edição super luxuosa do disco. Entre diversas gravações inéditas, raridades e faixas ao vivo, o melhor desse pacote é o DVD “Live at the Paramount”, que já está sendo vendido por cerca de R$ 40 no Brasil, mas quem quiser também encontra bem fácil para download em blogs especializados por aí.

O DVD tem algumas particularidades que o tornam tão especial. Uma delas é que o show registra o momento exato em que o Nirvana despontava para a fama mundial. Foi gravado em 31 de outubro de 1991, em Seattle (EUA), apenas cinco semanas após o lançamento de “Nevermind”. Outro ponto é a qualidade da imagem e áudio, já que é o único show da banda registrado em película, o que resulta em um vídeo de altísssima definição. Por fim, o que faz de “Live at the Paramount” um item obrigatório para os fãs é aquilo que mais importa: a banda em ação.

Enquanto a fama do Nirvana no início dos anos 90 só fazia crescer, a qualidade de seus shows ia ladeira abaixo. Talvez alguém se lembre da banda tocando no Brasil em 1993, no hoje extinto festival Hollywood Rock. O show de São Paulo foi definido pelos próprios Kurt Cobain e companheiros como a pior apresentação da carreira do grupo.

Uma semana depois, se apresentaram no Rio de Janeiro, com transmissão ao vivo pela Rede Globo. O show foi um pouco melhor, mas ainda assim, revendo o vídeo anos depois, é deprimente assistir Kurt Cobain anoréxico, chapadaço e com um tédio indisfarçável tocando na frente de 100 mil pessoas. O cantor era o retrato exato de uma música que ele escreveu e que o Nirvana gravou chamada “I Hate Myself and I Want To Die” (“Eu Me Odeio e Quero Morrer”).

Em “Live at the Paramount” a história é bem diferente. Tocando para um público de 5 mil pessoas, Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl, como fica evidente no DVD, estão se divertindo pra caramba com o sucesso que estavam fazendo naquele momento com “Nevermind”.

Fisicamente Kurt Cobain estava melhor, apesar de que na época já fosse viciado em heroína, mas não estava tão detonado pela droga. Ao todo, são 70 minutos de rock tocados com vigor e com verdadeiro “teen spirit”, encerrando com a destruição dos instrumentos, como era de praxe nas apresentações do Nirvana. Coisa linda de se ver!

O Nirvana em “Live at the Paramount” é rock em estado bruto. Talvez exatamente aquilo que tantos que por esses dias criticam o festival do senhor Medina gostariam de ver Rock In Rio...

sábado, 24 de setembro de 2011

"Nevermind", do Nirvana, completa 20 anos de lançamento hoje


Ao voltar para Deus com passo hesitante,
Com as canções meio escritas e a obra inconclusa,
Que trilhas teus pés feridos pisaram,
Que morros de paz ou dor escalaram?
Que Deus tenha sorrido, pego tua mão,
E dito: “Pobre bufão, louco de paixão!”
O livro da vida é duro de entender:
Por que não continuaste na escola?


- Charles Hanson Towne, no poema “Sobre um Suicida”, de 1919.

Neste sábado, 24 de setembro, “Nevermind” do Nirvana completa 20 anos de lançamento com o indiscutível mérito de ser, desde então, o último grande disco de rock. Há dez anos, “Is This it” dos Strokes talvez até se insinuou como um clássico, mas o tempo se encarregou de minimizar a importância do álbum daqueles moleques de Nova York. Eles fizeram uma grande estreia, mas longe de causar uma revolução. Ao contrário do Nirvana, que estreou sem estardalhaço com “Bleach” em 1989 e mudou a história da música pop dois anos depois com “Nevermind”, disco que subverteu para sempre a até então intocável divisão entre o underground e o mainstream.

Não havia dúvidas que 2011 seria um ano em que a gente ia ouvir falar muito sobre o Nirvana. Dave Grohl já havia dado a dica quando anunciou que Krist Novoselic participaria do novo disco do Foo Fighters, “Wasting Light”, lançado em abril e produzido por Butch Vig, o mesmo que assinou a produção de "Nevermind". Se isso foi homenagem ou oportunismo de Dave Grohl, fica a critério de cada um decidir. Depois, é claro, as matérias da imprensa ao redor do mundo. Desde o início do ano elas já começaram a inflar o oba-oba em torno do marco dos 20 anos, que virou fuzuê de vez quando foi anunciado o mega-pacote comemorativo, que inclui na sua embalagem mais gorducha um livro com fotos raras e inéditas, quatro CDs que contêm o “Nevermind” original remixado, outro “Nevermind” com uma mixagem alternativa (e mais pesada) jamais lançada, lados B, demos e a íntegra do show que o Nirvana realizou em Seattle em 31 de outubro de 1991, capturando o exato momento em que o Nirvana estava em ascensão meteórica rumo ao estrelato mundial. Mesmo show que também é lançado agora em DVD e poderá ser comprado separadamente. Enfim, um super lançamento, que acompanha ainda edições caprichadas em vinil quádruplo ou uma versão mais modesta em CD duplo.

Com previsão de chegar às lojas na próxima terça-feira (27), desde quarta-feira (21) os áudios dos quatro CDs do super box já escorriam pelos blogs ao redor do mundo. E ao por os ouvidos no material, para decepção dos fãs, fica evidente que é quase tudo mais do mesmo. De interessante mesmo é o show de 31 de outubro de 1991, embora o áudio, em boa qualidade, já fosse bastante conhecido de um disco pirata de nome “Trick or Treat”. Luxo mesmo, então, só o DVD, que sai com o título “Live at Paramount” e do qual algumas partes já foram vistas no clip de “Lithium” ou no documentário “Live Tonight! Sold Out!!”. Ah, o mesmo show também já havia sido dissecado pelo jornalista André Barcinski no livro Barulho, de 1992. Sim, o filho da mãe sortudo esteve lá, gostou muito do que viu e decretou na época:

“O legal do Nirvana é que eles ainda não têm uma história. Ela está sendo contada agora. Daqui uns dez ou vinte anos, a gente vai poder falar daquela ‘loucura do final de 91’".

O Nirvana escreveu rapidamente sua história, encerrada abruptamente quando Kurt Cobain disparou um tiro contra a própria cabeça. E com tudo o que já foi escrito, visto e falado desde então, é meio chato, redundante ou mesmo difícil escrever algo de novo sobre o Nirvana. Mas num exercício de paciência, seu e meu, vamos recapitular um pouco a história.

Nevermind

A banda nasceu oficialmente no dia 19 de março de 1988. Embora Kurt Cobain e o baixista Krist Novoselic já tocassem juntos há algum tempo, foi apenas alguns meses antes de lançar o primeiro single que eles batizaram a banda com o nome definitivo. O Nirvana estreou com um álbum em 1989. “Bleach” não teve nenhuma grande repercussão, embora tenha credenciado a banda para circular livremente entre a turma alternativa. O disco também rendeu a primeira turnê européia do Nirvana que passou por pequenos clubes junto com o TAD, nome de peso maior dentro da cena rock de Seattle.

O ano de 1990 foi fundamental para a carreira da banda. Descontentes com o rendimento do baterista, a banda deu adeus a Chad Channing e chamou para o seu lugar Dave Grohl. Foi o início da formação clássica do Nirvana. Kurt também não estava satisfeito com a gravadora Sub Pop e passou a enviar dezenas de fitas demos a vários selos. Em abril de 1991, a isca foi mordida pela DGC, um braço da gigante Geffen Records, que também havia contratado algum tempo antes o Sonic Youth, um dos maiores ídolos de Kurt Cobain. A princípio a DGC não se entusiasmou com o Nirvana e apostava poucas fichas na banda.

Quando a gravadora DGC contratou o Nirvana por 290 mil dólares, valor relativamente baixo para os números da indústria musical, a gravadora não tinha planos muito ambiciosos para a banda. Num primeiro momento, a Geffen esperava vender 50 mil discos e, com o passar do tempo e com um pouco de sorte, chegassem a 500 mil unidades - se alguém na época dissesse que 20 anos depois o álbum teria vendido mais de 30 milhões de cópias seria considerado maluco!

Em maio e junho de 1991m Kurt Cobain e seu colegas gravaram o disco “Nevermind”. O orçamento inicial para a gravação era de 65 mil dólares, mas até ser finalizado o custo subiu para 120 mil dólares, valor infinitamente maior do que os 600 dólares gastos na produção de “Bleach”. O nome “Nevermind” surgiu de uma conversa entre Kurt e o baixista Krist Novoselic. Numa tradução livre, o título do disco é algo como “Deixa pra lá” ou “esqueça isso”, o que Kurt entendia ser uma metáfora para o seu estilo de vida. “Nevermind” também remetia a “Smells Like Teen Spirit”, a música que estava se tornando a mais falada durante as gravações, embora inicialmente a banda achasse que o maior sucesso seria a faixa “Lithium”.

O Nirvana dedicou um bom tempo para a produção da capa. Kurt teve a ideia de colocar um bebê (Spencer Elden, hoje com 20 anos, na época fotografado peladinho por Kirk Weddle) nadando atrás de uma nota de um dólar. Era uma piada dos músicos com relação à própria banda, que ao abandonar o selo independente Sub Pop teria se vendido ou estaria nadando atrás do dinheiro fácil das grandes gravadoras. Ao mesmo tempo, a capa geraria controvérsia ao mostrar o bebê com o pauzinho de fora.

No dia 24 de setembro de 1991 “Nevermind” chegou às lojas. Em uma semana a prensagem inicial de 50 mil cópias havia se esgotado. Um mês depois, o álbum chegou à marca das 500 mil cópias comercializadas, causando um verdadeiro furacão dentro da DGC, que passou a dedicar mais atenção ao grupo. Ainda em outubro, a MTV incluiu o clipe de “Smells Like Teen Spirit” em sua programação normal. As boas vendas continuaram e em 11 de janeiro de 1992 “Nevermind” chegou ao primeiro lugar da parada da Billboard, ultrapassando “Dangerous”, do astro pop Michael Jackson. O Nirvana havia chegado ao topo.

Junto com Nirvana, toda a cena musical de Seattle cresceu junto. Nomes como Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains tiveram um impulso imenso em suas carreiras. Outras bandas como TAD, Mudhoney ou Love Battery, que estariam condenadas ao eterno anonimato se não fosse o empurrão de “Nevermind”, certamente estariam condenadas para sempre ao anonimato. A força do segundo álbum do Nirvana, enquanto propulsor de um fenômeno cultural, ainda hoje é difícil de dimensionar ou explicar. A toda aquela ebulição deram o nome de grunge, vendido como a coisa mais cool do começo dos anos 90 para logo depois ser descartado como mais um simples capricho desgastado da indústria fonográfica quando perdeu o gosto de novidade.

Lado Girl/Lado Boy

Grande parte de “Nevermind” é fruto de um coração partido. O biógrafo de Kurt Cobain, Charles Cross, no livro “Mais Pesado Que o Céu” afirma que quatro músicas presentes no disco foram escritas pelo líder do Nirvana após o rompimento do relacionamento de cerca de seis meses entre ele e Tobi Vail, integrante da banda Bikini Kill. São elas: “Smells Like Teen Spirit”, “Drain You”, “Lounge Act” e “Lithium”. Além dessas, também “Aneurysm”, que foi lançado como um lado B e depois apareceu também na coletânea “Incesticide”.

Kurt Cobain, segundo Cross, ficou com uma dor de cotovelo tão intensa pelo fim do namoro com Tobi Vail que, prestes a iniciar a gravação do que seria “Nevermind” ponderou por um tempo em dividir o disco em dois temas. O lado Girl – só com as canções traumaticamente inspiradas por sua ex-namorada – e lado Boy, com canções mais autobiográficas de Kurt, onde poderiam entrar faixas como “Sliver” e “Sappy”. O líder do grupo desistiu da ideia cafona, mas as canções sobre Tobi Vail permaneceram espalhadas por “Nevermind”. Como é comum entre os grandes artistas, Kurt Cobain transformou seu sofrimento no melhor de sua arte.

Porém, “o ódio que ele tinha pelos outros era leve comparado à violência que traçava contra si mesmo”, escreveu Charles Cross. Por um capricho do destino, a mesma dor emocional que inspirava Kurt Cobain a crescer artísticamente, abrindo-o para composições mais pessoais e dotadas de uma agressividade genuína, também escancararam as portas rumo à ruína total do músico. Sem Tobi, o líder do Nirvana encontrou consolo na heroína. Na época do lançamento de “Nevermind”, Kurt Cobain já era um junkie de primeira grandeza e nem o sucesso, o casamento com Courtney Love e o nascimento da filha Frances Bean serviram de consolo para ele. Embora jovem, rico e com uma nova família, aos vinte e poucos anos Kurt já se sentia “entediado e velho”, como cantou em “Serve the Servants”, música que abre o disco derradeiro “In Utero” e onde Kurt relaciona todos os motivos para o suicídio que iria cometer em abril de 1994.

O filhote estropiado da ninhada

O escritor norte-americano J. D. Salinger (1919-2010) na sua novela “Seymor, uma apresentação” (de 1959), escreveu:

“Parece-me indiscutível que muita gente no mundo todo, malgrado as diferenças de idade, cultura e dotes naturais, reage com ímpeto especial, em certos casos até mesmo febril, aos artistas e poetas que, além da reputação de produzirem arte de alta qualidade, têm algo extravagantemente errado como indivíduos: um defeito espetacular de caráter ou de comportamento cívico, uma desgraça ou vício supostamente românticos – extremo egotismo, infidelidade conjugal, surdez, cegueira, sede insaciável, tosse mortal, fraqueza por prostitutas, certa parcialidade em favor do adultério ou do incesto em larga escala, queda comprovada ou não pelo ópio ou sodomia etc. etc. Deus tenha piedade dessas solitárias criaturas. Se o suicídio não encabeça o rol das constrangedoras enfermidades dos homens criativos, é impossível negar que o poeta ou artista suicida sempre mereceu uma grande dose de ávida atenção, com frequência por razões meramente sentimentais, como se ele fosse (para colocar a coisa de maneira muito mais horrível do que realmente desejo) o filhote estropiado da ninhada”.

Uma descrição que cai como uma luva para Kurt Cobain, que na carta de suicídio descreveu a si mesmo como “um bebê errático e mal-humorado”. Somente alguém que tinha algo “extravagantemente errado como indivíduo”, um legítimo “filhote estropiado da ninhada” poderia conceber “Nevermind”. O disco em si é um punhado de canções com letras formadas por colagens autobiográficas de uma infância triste, uma adolescência turbulenta, um coração dilacerado pela rejeição amorosa e uma vida adulta predestinada à autodestruição. Tudo isso potencializado pela força avassaladora de uma guitarra, um baixo e uma bateria tocados com fúria autêntica por sujeitos que até aquele momento da vida não passavam de uns completos fodidos sem nada a perder.

É na dor, na raiva e na sinceridade contidas nos 42 minutos entre o início de “Smells Like Teen Spirit” e o fim de “Something in the Way” que o disco se impõe como algo muito maior do que um punhado de canções pop. Mas também vai além e cada um dos milhões de fãs ao redor do mundo tem seus motivos para fazer deste um álbum tão especial em suas vidas. Duas décadas depois, o disco continua carregado de significados, mesmo para as gerações que nasceram depois de ele ter sido lançado e hoje insistem em ouvi-lo incansavelmente. Isso, aliado à repercussão das comemorações do 20º aniversário, mostra que “Nevermind” definitivamente se estabeleceu como um marco da cultura da rebeldia, expressivo enquanto arte e misterioso o bastante enquanto fenômeno de massa para nos fazer correr atrás de respostas para tentar entender, afinal, o que foi toda aquela "loucura do final de 91"...

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Ignácio de Loyola Brandão: “O sistema de ensino não habitua a criança a ler”


Desde terça-feira (13), acontece em Marechal Cândido Rondon a Semana Literária do Sesc, evento que será encerrado neste sábado (17), com atividades na Praça Willy Barth na parte da manhã e da tarde. Incluindo a programação, na quinta-feira (15) esteve na cidade do escritor Ignácio de Loyola Brandão, que proferiu palestra sobre o tema “Inspiração existe? Onde um escritor vai buscar seus temas?”. Loyola nasceu em 1936, em Araraquara (SP). Iniciou na atividade jornalística aos 15 anos, e atuou em publicações como Última Hora, O Estado de São Paulo, Revista Planeta e Vogue. Iniciou a carreira literária em 1965. Desde então, publicou vários títulos hoje consagrados como “Zero”, “Dentes ao Sol” e “A Altura e a Largura do Nada”. Em 2000, foi vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro de contos por “O Homem que Odiava a Segunda-Feira”. Nesta entrevista exclusiva, Loyola falou sobre o processo de formação do escritor, discutiu o mercado editorial, além de fazer críticas à maneira como a literatura, de uma forma geral, é ensinada nas escolas.

Partindo do tema da sua palestra na Semana Literária do Sesc, de onde vem a inspiração do escritor para escrever?
A inspiração, essa coisa que se acha que cai do infinito, do divino, isso não existe pra mim. Existe a realidade, a vida em torno de nós. Então você tem que olhar o tempo inteiro para tudo à sua volta, com um olhar atento, desperto, cheio de sensibilidade e disso tirar material. Talvez inspiração seja isso: chega um momento em que você bate o olho e alguma coisa mexe por dentro e aí você sabe que vai sair. Não sabe se é um conto, uma crônica, um poema ou se é um romance. Já comecei a escrever um conto que virou romance, como “Bebel que a Cidade Comeu”, meu primeiro romance. Também teve um romance que eu comecei e que terminou como um conto, que é “Pega Ele, Silêncio”, que eu queria fazer um grande livro sobre boxe e acabou reduzido a um conto de dez páginas. Isso é normal. No fundo, então, inspiração é o olhar agudo. Eu aprendi muito isso no jornalismo. O jornalista tem que olhar atrás dos fatos para descobrir o porquê de tais fatos estarem acontecendo e isso eu levo pra literatura.

Na metade do século XX, principalmente nos Estados Unidos, esteve bastante em evidência o jornalismo literário com grandes nomes, como o estadunidense Truman Capote, por exemplo. Esse gênero praticamente sumiu dos jornais. Este é um gênero datado ou é possível fazer jornalismo literário ainda?
É sempre possível. É que as pessoas não têm mais o talento jornalístico e nem o talento literário para juntar, essa é que a questão. Mas, hoje se discute se aquilo foi jornalismo literário ou apenas um jornalismo que bem escrito, que foi além da mediocridade dos jornais. Quando eu digo mediocridade, eu digo da medianidade dos jornais. Talvez tenha sido isso. O jornalismo literário está aberto a quem quiser fazer. Se você resolve fazer uma reportagem e estendê-la, escrevê-la muito bem feita, conseguir ter um estilo e descobrir uma maneira peculiar, isso pode ser jornalismo literário. Mas no fundo, para mim, isso é jornalismo bem feito, pronto. Não tem nada a ver com literatura. Aproxima-se da literatura, que inclui imaginação, invenção, fantasia, memória. O jornalismo não permite invenção, fantasia e delírio. Essa é a grande diferença. O jornalismo é uma camisa de força. O jornalista tem que contar o que está vendo e a verdade. Já quando eu pego um personagem, eu minhoco dentro dele o quanto eu quiser.

A pessoa decide ser ou ela se descobre escritora? E quando foi que o senhor percebeu que havia chegado a hora de se assumir como escritor?
A pessoa decide ser. Ela gosta de ler, de literatura e decide escrever. Eu encontrei ao longo da vida muita gente que disse “eu quero se escritor” e foi ser. Porque é uma decisão. Agora, tendo talento você continua e faz. Não tendo, é outra coisa. Eu era jornalista e escrevi desde criança. Eu era muito solitário, muito esquisito e escrever era minha maneira de fugir do mundo. Sempre gostei de ler e sempre gostei de escrever. Aí fui ser jornalista, crítico de cinema. Mas uma hora, eu fazendo matérias, entrevistas, reportagens, eu sentia que não podia dizer tudo, que aquele material tinha coisas a mais. E também, como eu cheguei a São Paulo muito jovem, tinha 21 anos, eu frequentava muito a noite paulistana e comecei a achar personagens entre aquelas mulheres da noite, jornalistas que eu encontrava à noite, boêmios decadentes, vagabundos, prostitutas, modelos, manequins. Comecei a transformar isso em material e disse que ia escrever um livro sobre a noite. E escrevi. Só que antes disso eu já havia escrito quatro romances e os quatro eu joguei fora. Eu queria ser escritor. A pessoa vai em busca do sonho. Não tem outro caminho. De repente a pessoa começa escrevendo...

A pessoa se descobre escritora escrevendo.
Exato. Perfeito.

Existe o hábito de dizer que o brasileiro lê pouca literatura. O senhor concorda com isso?
É um chavão. As pessoas se acostumaram a falar que o brasileiro lê pouco. E realmente ele não lê muito porque não tem acesso ao livro. O preço é um impeditivo e deveria ter mais bibliotecas. Antes disso, você tem um sistema de ensino que não habitua a criança a ler. O sistema é muito deficiente e não vejo nenhuma melhora porque os ministros são todos estúpidos, não estão preocupados, é só política. Deveria haver uma reforma imensa do ensino, dar ao professor condições de trabalhar. Os professores são mal preparados, as escolas são ruins e vão preparar alunos ruins. Os professores não têm tempo de preparar aula, de ler, de contar histórias. Quando o professor não conta história, a classe está ali solta. A contação de história, que é uma coisa tão simples, é que ajuda na formação do leitor. Então, é todo um sistema que tem que ser reformulado. Nos últimos anos, algo que tem ajudado muito são as feiras, esses empreendimentos como o que o Sesc está fazendo, e os escritores percorrendo o país. Nunca, antes, isso aconteceu. Escritores eram funcionários públicos, trabalhavam em ministérios, autarquias, etc. Eram muito importantes e ficavam isolados nos seus redutos fechados porque eles eram os escritores. Eu lembro que eu tentei me aproximar de escritores, eu tinha vinte e poucos anos, e eles me olhavam com desdém. Essa gente hoje, toda essa geração, desde os que têm 30 e poucos anos até os 70 e tantos, nós estamos na rua, no palco e nós somos muito criticados por isso. “Ah, vocês são vaidosos!”. Somos vaidosos, todo mundo é. Mas nós estamos aqui fazendo um trabalho. Em cada cidade eu tenho certeza que eu conquisto pelo menos uns dois leitores e isso eu acrescento, acrescento e acrescento. Tanto que me admira, de repente, o número de pessoas na plateia. Eu estive no Ceará, numa cidadezinha do sertão chama Ocara, de 20 mil habitantes. Tinha a Bienal de Fortaleza, no Centro de Convenções. A secretária de Cultura perguntou a vários jornalistas se eles topariam fazer a bienal fora daquele local e concordamos. Muitos foram para bairros distantes e outros para cidadezinhas desse tamanho. E eu fui para Ocara num sábado de manhã. Fui recebido no centro comunitário, que eles lavaram, deixaram tudo bonitinho. Estavam todos lá com as roupas de sábado. Gente humilde, estudante, professor. Todo mundo! E uma mulher muito simples chegou pra mim e disse: “eu sou analfabeta, não sei ler. Mas eu ouvi essas histórias e eu quero aprender a ler. Mas como é que faz um livro?”. Eu perguntei: “como é que escreve?”. Ela: “não, como o senhor põe letrinha por letrinha dentro do livro?”. Eu fiquei comovido e comecei a explicar como é o processo de tipografia. Fiquei muito embananado na hora e uma professora me ajudou. Aí a mulher falou: “é muito bonito, professora. Eu quero aprender!”. Isso foi uma coisa deslumbrante. Você pegar aquela velha, ela tinha uns 78 anos, uma sertaneja abatida... Dali a pouco ela voltou e perguntou se eu aceitaria um presente. A base econômica de Ocara é algodão, milho e mel. A mulher me trouxe um litro de mel puríssimo e a rolha era um sabugo. Eu levei aquilo embaixo do braço. Foi o melhor cachê que eu já recebi. O melhor! Então tem dessas coisas. Eu fujo um pouco da pergunta, mas é um pouco isso. Esses escritores estão acreditando que é possível fazer esse trabalho paralelo.

O período da adolescência é a época ideal para a escola apresentar os autores brasileiros clássicos para os alunos?
Existe um grande erro e isso, nós escritores, sempre estamos falando. Muitos anos atrás, meu filho André, que hoje tem 30 e tantos anos, falou pra mim: “pai, estou lendo esse livro Memórias de Um Sargento de Milícias, mas é muito chato.” Ele tinha 12 anos. “Eu não entendo as palavras, não entendo as coisas”. Claro, deram para ele o livro errado. Há anos a gente vem sugerindo que se inverta o processo. Comece com os autores contemporâneos, que têm uma linguagem normal, que a realidade é essa onde a pessoa se reconhece, e na medida que você vai passando de ano, aí vai indo para trás. Quando você tiver 20 ou 16 anos, aí você consegue ler um clássico. Você consegue ler, por exemplo, Machado de Assis, porque ele é bom e te conquista. Mas não comece com Dom Casmurro, que é muito intelectual. A angústia do Bentinho. Pô! O cara quer saber se o Bentinho foi corno ou não e ele não descobre nunca! Então, a escolha dos livros é errada e também a sequência que eles são apresentados. Eu concordo com você. Aí você acaba obrigado a ler. Ninguém pode obrigar ninguém a ler. Leitura é prazer. Estão republicando agora as obras do Jorge Luís Borges. O livro “Borges Oral” traz palestras que ele deu e uma delas é sobre livros. Borges diz o seguinte: de acordo com Montaigne, o filósofo, o que a gente tem que procurar é a alegria. Isso também na literatura, procurar um livro que te faça feliz. Quando o autor não consegue isso, o autor fracassou completamente. Ele diz que com “Ulisses”, James Joyce fracassou na literatura. É um livro intolerável, ilegível. Não conheço ninguém, a não ser os irmãos Campos, os concretistas, que foram os que leram ou disseram que leram. Uma literatura bem escrita te traz alegria e felicidade. Não quer dizer que você tem que ficar rindo do livro. É que ao ler o livro, você se comova com ele. Você lê “Madame Bovary”, que não é um livro alegre, mas é muito bonito. “Vidas” Secas é um livro pesado, mas é muito bonito, então você se sente compensado em lê-lo.

Em grandes eventos, como a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), alguns escritores são tratados quase como estrelas, artistas pop. Isso é fruto de um novo público, de uma nova forma das editoras trabalharem...

É fruto de um novo público, de um novo trabalho, dessas feiras. Agora, tem que saber diferenciar. A FLIP é muito interessante, mas a gente a chama de fashion show de literatura porque são, em geral, socialites de São Paulo que açambarcam todos os convites que são postos na internet – e que são caros – e o povo sempre é colocado à margem. O povo de Parati não toma parte, a não ser vendo os escritores pelas ruas e essas coisas. A FLIP é uma coisa para uma classe especial. Eles vão lá e assistem a conversa e saem imediatamente correndo para ir a um restaurante. Nesse país tem uma realização fantástica chamada Jornada de Literatura de Passo Fundo (RS), que acabou de fazer 30 anos. Tem uma tenda imensa onde cabem 5 mil pessoas: estudantes e professores. E tem seis lonas menores onde tem a jornadinha, onde este ano estiveram 18 mil crianças conversando com dezenas de escritores infantis. Vieram os ídolos Ziraldo, Maurício de Souza e outros que, mesmo sem nome, conquistam aquelas crianças. Na parte adulta tem grandes palestras e espaço para perguntas e respostas. Ali realmente você se sente um pop star. Você chega num palco e tem 5 mil pessoas na sua frente, às vezes até brincando: “lindo, lindo!”. Essas pessoas já foram avisadas de quem seriam os autores e quais são os livros e a grande maioria já leu uma parte desses livros. Então, quando chega uma pergunta depois que você falou, é uma pergunta pertinente. Esses professores continuam esse trabalho nas suas escolas. E vem gente do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina. São multiplicadores. A única jornada que não se encerra quando acaba é a de Passo Fundo. Na verdade, é ali que ela se inicia. Em Passo Fundo, o índice de leitura é de 6,5 livros por ano, o que é altíssimo. Na França é 8. Em geral, no Brasil, parece que é 2 e pouco. Não sei, essas estatísticas também são uma chatice. Então, essas coisas contribuem. Agora, é preciso que se modifique o sistema de ensino. E agora está tendo um elemento perturbador, que é a internet. Ninguém sabe e são as teorias mais loucas: “vai acabar com tudo!”. Não vai acabar com nada, é apenas um suporte a mais. Literatura não acaba. O livro já foi escrito na pedra, na madeira, em tijolinhos, papiro. Agora, na internet, o livro talvez dure exatamente mais do que se impresso no papel, entrando agora no Ipad, no tablet.

A partir do livro eletrônico, pode acontecer uma crise com as editoras como a que vem acontecendo com a indústria de discos em razão da troca de música gratuita na internet? Ou seja, o livro eletrônico coloca o mercado editorial e a literatura em crise?
Esse é outro problema para ser resolver. Mas, enquanto o problema não se apresentar, não se resolve. Eu vejo que é um momento muito interessante e todos estão perplexos. Mas o livro não vai acabar, a literatura nunca vai acabar, isso que é o mais importante. É tão repetido isso. Quando chegou o cinema, o teatro ia acabar. Quando chegou a televisão, ia acabar o cinema. A televisão acabou salvando os dois.

No Brasil, um livro quando publicado por uma editora mais conceituada, que tiragem média inicial ele tem?

De três a cinco mil.

Um best-seller vende quanto?
Vinte mil já é bem vendido. Cinquenta mil, 100 mil é um best-seller. Isso se consegue com estes livros de auto-ajuda e os livros estrangeiros que têm aparecido. Brasileiros são raríssimos. O Paulo Coelho, o Luís Fernando Veríssimo conseguem. O resto fica nos 20 mil...

Então se for pra viver como escritor...
Ninguém vive como escritor. O Moacyr Scliar era médico. Rubem Fonseca foi até delegado de polícia. Antônio Torres, publicitário, Ivan Ângelo, jornalista, Márcio de Souza teve todos os empregos possíveis. A gente vai vivendo. Eu morei na Alemanha e conversava com dezenas de escritores e eles eram iguais. Trabalhavam e escreviam os livros. E daí? Qual é o problema? Eu sempre conciliei e pronto. É o meu destino.

No Brasil, são poucos os espaços para a crítica literária e muitas vezes percebe-se no próprio crítico uma certa arrogância na forma de escrever, muitas vezes querendo mostrar que sabe mais de um livro do que o próprio escritor. Como o senhor vê a crítica no país?
Primeiro, não tem mais crítico no Brasil. Não tem, mesmo. Não sou saudosista não. Morreu Wilson Martins, que foi o último. Morreu Agripino Grieco, também o Álvaro Lins. O Antônio Cândido não faz mais Os que souberam realmente analisar uma obra, isentos, esses não têm mais. Hoje tem resenhas curtas e banais. E há um desprezo na mídia pela crítica e pela literatura. A crítica deveria ser aquela que conduz o leitor ao livro ou não. Ela explica que o livro está sendo muito falado, mas não é tudo isso e tal e tal. Ninguém mais consegue fazer isso. O crítico tem que localizar o livro dentro da obra do autor, tem que conhecer, tem que respeitar o autor. Você disse uma verdade. O crítico quer ler o livro que ele gostaria de fazer na cabeça dele, e daí vem o velho chavão: quem sabe faz, quem não sabe critica. Mas é verdade, hoje em dia não tem mais crítica. Meus últimos três ou quatro livros não tiveram nenhuma crítica. Tem release. O que a editora manda eles publicam. Eu acho que a crítica está morta, simplesmente. O que é uma pena.

Qual a importância da Semana Literária do Sesc, da qual senhor esteve participando em várias cidades?

É adorável. Estou indo para cidades que não são as capitais, que são pequenas. Nesses eventos, o escritor vai ao encontro de um público que talvez nunca teve a chance de ver um escritor. Então, quem está levando o escritor está fazendo uma grande tarefa. Pode ser que esse escritor não agrade a plateia, mas a pessoa está lá e vê que quem escreve livros é igual a todo mundo, tem olho, orelha, boca. Isso desmistifica a figura do escritor.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Cesta básica de futilidades


Os atos de vandalismo ocorridos em Londres no início de agosto voltaram a ganhar destaque em uma pequena discussão na Folha de S. Paulo, principalmente entre o (ótimo) colunista Contardo Calligaris e alguns leitores. Em texto do último dia 08, ele retomou o assunto, motivado por alguns e-mail que ele recebeu de algumas pessoas fulas da vida porque Calligaris afirmou no artigo “Grandeza das ‘futilidades’” que “numa sociedade livre, as ‘futilidades’ são gêneros de primeira necessidade, parte da cesta básica”.

Recapitulando a história: depois de um homem ser assassinado pela polícia inglesa em Londres, uma onde de violência, depredação e saques se instaurou por alguns dias na capital da Inglaterra e se espalhou por outras do país. Na visão mais simplista e babaca, irradiada pelas autoridades e a mídia em geral, tudo não passava de simples atos de vandalismo. Para outros, mais coerentes, o assassinato daquele pai de família havia sido o estopim de uma situação crítica deflagrada pelo desemprego, por uma educação escolar e universitária deficiente e pela falta de perspectivas de vida. E mais, pela dificuldade de alguns em ter acesso ás futilidades. Enfim, a revolta seria um claro sinal de que há algo de errado com a sociedade inglesa.

Nesses dois modos de interpretam os recentes episódios, o fato das pessoas que saqueavam estarem furtando celulares, eletrônicos, Ipads e roupas de marca; e não comida, acabou dominando o debate. Para o senso comum, isso seria uma demonstração clara que o que se viu em Londres era puro vandalismo, roubo, caso de polícia. Roubar comida, por exemplo, poderia ser justificado. Roubar um tênis da Nike, não.

Mas é preciso ir mais além nessa lógica, assim como fez Calligaris no seu texto “Grandeza das ‘futilidades”. Segundo ele, vestir determinado tipo de roupas e de tais marcas, usufruir de celulares high-tech, computadores de alta-tecnologia, entre outras coisas do gênero, na sociedade capitalista atual são fundamentais como elementos que favorecem a inserção e a interação social. “Em suma, objetos, aparato e aparências, em sua suposta futilidade, são a chave de nossa liberdade para circular na hierarquia social, entrar em grupos diferentes do grupo no qual nascemos”, escreveu o colunista, que afirma ainda que “os objetos e o aparato são a condição de uma liberdade inédita, porque, hoje, ninguém será barrado na festa porque nasceu num berço humilde – só se ele estiver escolhido o aparato errado”.

É a lógica de que se eu não posso ser, ao menos posso parecer. Se não sou rico, posso aparentar ser rico, usando tal roupa e consumindo determinados objetos que me permitem interagir numa sociedade onde ter bens materiais (“futilidades”, usando o termo de Calligaris) assume cada vez mais importância. E se para parecer igual ao outro seja preciso furtar, que assim seja.

Pode parecer meio esquisito esse negócio de achar que um celular e um tênis bacana podem ser itens de primeira necessidade como a cesta básica de alimentos distribuídos aos mais pobres, digamos, em época de eleição no Brasil. E é esquisito mesmo, mas é totalmente compreensível. Depende do lugar e do tipo de sociedade que se vive. Por exemplo, pra um índio perdido nos confins da selva amazônica, eventualmente ter um adorno com, digamos, uma pena do rabo de um arara azul pode ser uma das coisas mais importantes que ele pode desejar. Para quem vive na cidade, isso não passaria de uma simples bobagem: uma pena de pássaro na cabeça do índio ou no rabo da arara é a mesma coisa. Mas, na sociedade do hipotético índio, isso pode significar status, garantir uma índias a mais ou coisa que o valha. E se as araras azuis estão em extinção e está difícil de encontrar uma, de repente não seria má ideia roubar uma pena de outro índio que eventualmente tem uma, duas ou três penas do rabo de arara azul.

Voltando a falar da Inglaterra (onde o pobre de lá provavelmente se equivale a alguém da classe média baixa aqui no Brasil e não lhe falta comida e nem casa pra morar), eventualmente um Iphone seja o seu desejo imediato de consumo, já que ele possui o necessário para sobreviver, mas não o tal aparelho que o faça se sentir igual aos seus compatriotas que têm à disposição toda a quinquilharia eletrônica moderna. Enfim, itens de primeira necessidade mudam conforme a sociedade.

Ganhador de um prêmio Nobel, o economista indiano Amartya Sen discorre, entre outros assuntos, sobre as “futilidades essenciais” das sociedades atuais em seu excelente livro “Desenvolvimento como liberdade” (publicado originalmente em 1999). Escreveu ele:

“O que se considera ‘necessidade’ em uma sociedade deve ser determinado (...) pelo requisito de que a sua satisfação gere algumas liberdades minimamente requeridas, como por exemplo a capacidade de aparecer em público sem se envergonhar ou de participar da vida da comunidade. Adam Smith expressou a questão da seguinte maneira: artigos de necessidade são, no meu entender, não só os bens indispensavelmente necessários para o sustento da vida, mas tudo o que os costumes do país consideram indecente uma pessoa respeitável, mesmo a mais humilde, não possuir. Uma camisa de linho, por exemplo, não é, rigorosamente falando, uma necessidade da vida. Os gregos e os romanos, suponho, viviam confortavelmente mesmo sem ter linho. Porém, nos tempos presentes, na maior parte da Europa um trabalhador diarista respeitável sentiria vergonha de aparecer em público sem uma camisa de linho, supondo-se que não a ter denota o desonroso grau de pobreza ao qual, presume-se, ninguém pode sucumbir sem má conduta extrema. (...)”. A este pensamento de Adam Smith, o economista Amartya Sen acrescenta que “nessa análise, o enfoque tem de incidir sobre as liberdades geradas pelos bens, e não sobre os bens em si mesmos”.

Acredito que por aí já deu pra entender o porquê do colunista da Folha de S. Paulo defender que furtar “futilidades”, embora errado, é uma atitude compreensível. O que aconteceu em Londres, pode ter sido sim vandalismo, mas o que o motivou foi algo muito mais complexo do que a simples vontade de ver o circo pegar fogo...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Cândido: pelo prazer de escrever e ler


A Biblioteca Pública do Paraná lançou, em agosto, o primeiro número de seu jornal. Batizado de Cândido, a publicação, como deixa claro em seu editorial, tem o objetivo de deixar “sua marca na cultura paranaense e brasileira” abrindo espaço para a discussão da leitura e da literatura. Para tanto, Cândido “publicará reportagens sobre ações de leitura, mercado editorial, perfis, entrevistas com escritores, tirinhas, ilustrações, caricaturas e inéditos – contos, poemas, crônicas e trechos de romance. Com isso, pretende oferecer ao leitor um panorama rico e abrangente da literatura contemporânea e valorizar a história literária do Paraná”.

E a primeira edição de Cândido já impressiona positivamente. Com um projeto gráfico atrativo, com muitas ilustrações e valorização de espaços em branco nas páginas, visualmente o jornal, de 32 páginas já é um atrativo. E a curiosidade aumenta ainda mais com os temas abordados na primeira edição: destaque para o ensaio e o perfil de Paulo Leminski, principal destaque na capa. Interessante ainda a entrevista com o escritor e crítico paranaense Miguel Sanches Neto e a matéria com a escritora carioca Elvira Vigna. É claro que há muito mais, como um breve perfil do escritor norte-americano Ernest Hemingway e uma reportagem sobre o mercado brasileiro de biografias de músicos brasileiros, para citar só alguns exemplos.

Com 32 páginas, Cândido mostra que tem fôlego para trilhar um caminho de sucesso já percorrido há algum tempo por outro jornal paranaense especializado em literatura, o Rascunho, publicação de periodicidade mensal que já está em sua 137º edição.

Para quem se interessar, o contato com a Biblioteca Pública do Paraná é (41) 3221-4974 e imprensa@bpp.pr.gov.br.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Cheira a espírito adolescente


Nas últimas semanas tive mais alguns motivos para começar a desconfiar de que a meia idade tá batendo na porta da frente enquanto a juventude foge às pressas pela janela dos fundos... E nem é o fato de mais um aniversário estar se aproximando. Tem a ver com o simples fato de que coisas das quais eu gosto estão envelhecendo também.

O primeiro choque de realidade foi quando vi propaganda da exibição do filme “Seven – Sete Pecados Capitais” no canal de televisão TCM, especializado em séries e filmes antigos. . “Seven no TCM? Mas, eu vi esse filme na época de seu lançamento! Tô velho mesmo...”

Outra coisa que tem me lembrado que a vida passa num piscar de olhos são as celebrações dos 20 anos de lançamento do último grande disco de rock, o “Nevermind” do Nirvana. Vinte anos! Parece que foi ontem que entrei na hoje extinta Discomar e comprei a primeira cópia em vinil do álbum que chegou em Marechal Rondon. “Nirvana, mas que diabos é isso?”, todos perguntavam. Nos meus 14 anos eu não fazia muita ideia também, só tinha a certeza que era um barulho diferente de outras coisas barulhentas que meus amigos e eu costumávamos ouvir na época, como Guns n’ Roses, Megadeth, Iron Maiden e Judas Priest. Um barulho diferente... e melhor.

Vinte anos depois, aí estou eu animado outra vez com o disco “Nevermind”, que será relançado no próximo dia 27 em versões superluxo com tudo e muito mais que qualquer fã podia sonhar. E não se trata só de mais do mesmo, já que os pacotes especiais incluem DVD inédito, versões nunca lançadas e mais algumas músicas inéditas. Pra quem saca a importância desse álbum e do Nirvana para a cultura pop, não preciso dizer mais nada...

Chato que a figura chave de toda essa história não vai participar das comemorações. Ao contrário de mim, que envelheço a cada dia, Kurt Cobain para sempre terá 27 anos, já que decidiu estourar os próprios miolos no dia 5 de abril de 1994, deixando uma filha ainda bebê e uma viúva, a partir de então milionária.

Foi-se o homem, nasceu a lenda. A última desse tal rock and roll. E restou “Nevermind”, esse clássico absoluto que, ao ouvi-lo, ainda faz qualquer sujeito de meia idade cheirar a espírito adolescente...